A primeira parte do processo de impeachment contra o governador afastado Mauro Carlesse (PSL) foi concluída na noite dessa quinta-feira, 3, com a aprovação unânime do parecer do relator Júnior Geo (Pros) que autoriza o prosseguimento do pedido do advogado Evandro de Araújo de Melo Júnior. A responsabilidade agora está com o plenário do Legislativo, a quem cabe aprovar por dois terços dos parlamentares ou rejeitar a decisão da comissão. Se a Assembleia der continuidade, o Tribunal Especial Misto, com cinco deputados e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça, será formado e é esse órgão quem entrará no mérito da denúncia de Melo Júnior.
Como bem frisou por algumas vezes o relator Júnior Geo na leitura de seu parecer, oitivas e profundas análises documentais não cabiam à comissão. O papel dela era averiguar a consistência da denúncia do advogado para concluir se a Assembleia deveria ou não dar continuidade ao processo. No caso, a conclusão do relator, avalizado pelos seus pares — Olyntho Neto (PSDB), Eduardo do Dertins (Cidadania) e José Roberto (PT) —, foi de que estão presentes as condições da ação, porque “descreve de modo claro e objetivo os fatos imputados ao denunciado”. Assim, garantiu Geo, ficou “demonstrada a plausibilidade das alegações contidas na denúncia”.
A despeito de suas opiniões pessoais, o deputado do Pros emitiu um parecer eminentemente técnico, focado naquilo que lhe cabia, justamente a solidez das denúncias. Para além do documento votado pelos parlamentares da comissão, o que se destacou foi o chamamento do relator para que os colegas de Legislativo, a partir de agora, façam “uma fiscalização mais rígida do uso dos recursos públicos e das práticas costumeiras ocorridas neste Estado”.
Esse é um dos pontos mais importantes deste debate. Se houve o descalabro apontado pelas investigações, não há dúvida de que a Assembleia fez vistas grossas e, em algum momento, foi conivente, ao aprovar medidas às cegas, sem questionamento.
Historicamente, o Legislativo do Tocantins comete o erro de embarcar em base de governo sem a mínima postura crítica e isso já causou prejuízos milionários ao Estado, como o caso dos 25% dos servidores, aprovados acriticamente no segundo governo Marcelo Miranda (MDB). Se naquela época os deputados tivessem cumprido seu papel de agente fiscalizador, o Tocantins hoje não enfrentaria esse iminente problema de dimensões titânicas, que uma hora vai impactar tragicamente as contas do Tesouro estadual.
Deputado é eleito para ficar ao lado da população, não de governos, de forma cega, como cordeiros, ainda que façam parte da base. Ao contrário do que se propala, a postura crítica – que é diferente de ser oposição – contribui para o aperfeiçoamento das políticas públicas e para se evitar erros crassos. O case dos 25%, nesse aspecto, é emblemático.
No que diz respeito à comissão especial do impeachment, ela cumpriu sua missão de forma irretocável, com destaque para seus dois principais membros. O presidente Elenil da Penha (MDB), que demonstrou o tempo todo equilíbrio e tranquilidade, o que facilitou, de forma decisiva, a tramitação de um tema tão espinhento, mesmo quando houve tensões pela ação firme da defesa, que, legitimamente, exercia seu papel de forma brilhante, como é marca do advogado Juvenal Klayber, um dos mais respeitados profissionais do Tocantins.
E, sem dúvida, o relator Júnior Geo, também muito equilibrado, com plena consciência de seus limites de ação, com colocações precisas, deixando sua indignação cidadã para o devido local, a tribuna ou o microfone da comissão, não o documento, técnica e perfeitamente, bem construído.
Sobre o pedido de suspeição dele, a melhor posição foi a de José Roberto, ao opinar que, se fosse aceita pela comissão, colocaria em xeque a própria atividade dos deputados. Parlamentar (o “parlar”, “conversar”, está na etimologia do “parlamentar”), como muito bem lembrou o petista, tem por exercício básico e rotineiro expressar o que pensa, como parte do processo de representação de setores da comunidade. Se por ter posições prévias deputados forem impedidos de relatar matérias, então, será difícil encontrar relatores para os mais diversos temas que o Legislativo debate diariamente.
Por isso, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), com precisão, concluiu que “é incabível a equiparação entre magistrados, dos quais se deve exigir plena imparcialidade, e parlamentares, que devem exercer suas funções com base em suas convicções político-partidárias e pessoas e buscar realizar a vontade dos representados”.
Também não dá para se alegar cerceamento da defesa. Os advogados tiveram direito a 15 minutos de fala [não previstos, mas uma concessão obtida], no caso do pedido de suspeição, e foram atendidos nos prazos que solicitaram. Nesse aspecto, o presidente Elenil mostrou muita sabedoria e cumpriu o que já havia dito, de respeitar todo o rito, dar espaço a ampla defesa, para impedir que a provável judicialização resulte na nulidade dos atos tomados pela comissão.
Neste ponto, inclusive, Elenil já conquistou uma grande vitória com a negativa da Justiça do Tocantins, ainda na tarde dessa quinta, para o pedido da defesa de Carlesse de suspender os trabalhos da comissão.
Agora é esperar o que vai decidir o plenário da Assembleia.
CT, Palmas, 4 de março de 2022.