A Reforma Administrativa está na pauta do Congresso Nacional e é fundamental para otimizar o serviço público nacional em todas as suas instâncias. Entre os pontos mais polêmicos do debate está a estabilidade do funcionalismo. Muitos veem nela o motivo de uma suposta baixa produtividade da categoria e quem a defende aponta que a garantia da estabilidade é uma segurança para a própria sociedade.
A denúncia do que já está sendo chamado de “Covaxingate” provou que é a segunda tese que está correta. Sem a estabilidade garantida por concurso ao servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda é bem provável que nunca teríamos a informação de que há um grande esquema no governo do presidente Jair Bolsonaro para a compra da vacina indiana Covaxin, que tem em seu líder na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), o principal maestro. Essa operação bilionária envolve empresas de salinha em paraísos fiscais e outras movimentações no mínimo muito estranhas.
A denúncia do servidor provou que a CPI da Covid nem precisa investigar os Estados e municípios sobre desvios milionários dos recursos que deveriam ser aplicados em combate à doença, como insistem a base bolsonaristas e sua seita, uma vez que isso está ocorrendo no próprio governo federal. Agora já se fala num esquema maior, envolvendo também o líder Ricardo Barros, com uma empresa farmacêutica de Maringá (PR), terra do deputado, a Belcher. Ela teria assinado contrato com o Ministério da Saúde para intermediar a compra de uma vacina chinesa chamada Convidecia por US$ 17 a dose, num negócio que vai passar de R$ 5 bilhões, o que a tornará o imunizante o mais caro do Brasil.
O irmão do servidor Ricardo, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), fala em outra operação ainda maior que a da Covaxin, na compra de testes de Covid-19, outro esquemão que envolve Barros.
Por isso, concordo com o que disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS): “Caiu por terra a avaliação de que o governo Bolsonaro podia cometer erros, mas não havia corrupção”, disse ela à imprensa no final de semana. Novidade para mim? Não. Meu mantra sempre é: nesse cabaré não tem virgem. Ninguém fica 28 anos na Câmara em partidos do Centrão e consegue manter a castidade. Impossível.
Claro que, quem queira, tem direito de acreditar no mito do “mito”. Isto é, na fantasia de que Bolsonaro é casto. Pelo bem do País, as pesquisas vêm mostrando que cada vez menos pessoas concordam esse marketing da pureza vendido pelo presidente da República e seus filhos — estes envolvidos com rachadinhas, compra de mansão de R$ 6 milhões, em crimes de fake news para destruição de reputações, para atacar a democracia e suas instituições e por aí vai.
É uma família e tanto. A segunda ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, enquanto esteve casada com ele (de 1997 a 2008, portanto, 11 anos), comprou 14 apartamentos, casas e terrenos. Parte deles em dinheiro vivo. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) elenca uma série de desvios no governo do atual presidente e na longa passagem dele pela Câmara dos Deputados, onde também teria praticado rachadinha e até feito excesso de gastos de combustíveis, uma forma de ganhar um dinheiro por fora com a atuação parlamentar.
Mas, insisto, os inocentes que queiram continuar acreditando que se trata da única virgem do cabaré, que fiquem à vontade. Só não podem reclamar depois que foram enganados. Não: se enganaram.
Quanto ao servidor Luís Ricardo Miranda, tenho pena dele, porque vai viver o inferno na terra nos próximos meses. Para começar, quem se dizia na guerra contra a corrupção, quando surge denúncia avisa que vai investigar o denunciante. Por aí sabemos o quanto querem enfrentar os desvios de recursos da máquina. Já bloquearam o acesso de Miranda ao sistema do Ministério da Saúde e o pacote da maldades deve ser bem maior. Mas continuará firme no cargo porque é concursado, de carreira, não foi colocado lá por indicação de político. Assim, deve permanecer no governo federal porque tem estabilidade.
O Brasil não possui cultura política para gestões em que o funcionalismo não tenha garantia funcional. Nossa cultura é a do favorecimento próprio, familiar, dos amigos e dos financiadores de campanha. Sem a estabilidade, a cada governo todos os servidores seriam trocados para se encher a máquina pública de cabos eleitorais e especialistas em esquemas, como tudo indica que fez o deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde do governo Temer.
Os fanáticos iletrados e analfabetos políticos já estão defendendo seu “mito” nas redes sociais, afirmando que nada foi pago. Verdade. Graças à atitude de um servidor concursado e com estabilidade, porque milhões de dólares já estavam no jeito para serem liberados aos malandros.
Assim, a reforma administrativa precisa ocorrer, mas o fim da estabilidade do servidor é um tema que nem mais deve entrar em discussão.
Afinal, essa segurança ao servidor faz bem à sociedade.
CT, Palmas, 28 de junho de 2021.