Nessa terça-feira, 5, o prefeito de Araguaína — cidade que se tornou o epicentro da Covid-19 no Tocantins —, Ronaldo Dimas (Podemos), endureceu as medidas contra o avanço da doença, que já chegou a 117 pessoas por lá. O governador Mauro Carlesse (DEM) também reviu aquela inoportuna recomendação para que os prefeitos adotassem o isolamento vertical, recomendado pelo presidente Jair Bolsonaro, o pior líder mundial na condução desta crise, o que basta para concluir que o que ele diz não se escreve e que ele escreve deve ser ignorado. De toda forma, como diz, o ditado popular, antes tarde do que nunca.
Alguns questionam a cobertura da imprensa sobre os avanços da pandemia, que julgam superdimensionada no Tocantins, sob o argumento de que temos poucos casos num comparação com São Paulo, ou mesmo com Maranhão e Pará. Não é este o parâmetro, mas, sim, qual a estrutura que temos para atender pacientes em situação grave. A resposta é: mínima. Pelo que se tira das declarações do secretário estadual da Saúde, Edgar Tolini, é pouco provável que tenhamos 40 leitos de UTI e respiradores para Covid-19. E é importante ressaltar que 13 já estão ocupados.
[bs-quote quote=”Se as autoridades não tiverem a sabedoria, a responsabilidade e a humildade de enxergar isso, não só nossa saúde vai colapsar, mas também nosso sistema funerário e cemitérios” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
E alguns sinais mostram que devemos nos preocupar, e muito, com essa doença. Em São Miguel, no Bico do Papagaio, só nessa terça, os casos dobraram de 9 para 18 e, segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria Estadual da Saúde, temos em todo o Tocantins 252 pessoas em isolamento domiciliar com a Covid-19. Como vão evoluir? Vão todos se recuperar? E se não? E os casos que estão mais que dobrando a cada semana?
As mortes já somam nove. A primeira levou quase um mês para ocorrer em relação ao primeiro óbito de um brasileiro. A segunda seis dias, a terceira oito e agora está morrendo gente a cada dois dias. Os negacionistas dizem o quê? “Mas são idosos ou diabéticos, ou hipertensos, ou cardíacos”. Vidas que poderiam ter se estendido por muito mais tempo, por anos, mesmo com essas comorbidades, se não fosse a Covid-19.
Mais grave: a doença avança sobre a população mais pobre, que tem mais dificuldade para fazer um isolamento social (mora em pequenos espaços), vive sob baixas condições sanitárias (o saneamento não chega em muitos lugares) e não tem uma nutrição adequada (o que reduz a imunidade). O Bico concentra quatro das nove mortes do Estado, todos idosos, e novos casos da doença se ampliam a cada dia por lá.
Em Palmas, o mapa da doença é claro: começou no centro e agora vai se expandindo para as quadras mais distantes. Em Araguaína, a prefeitura já levantou que 25 bairros foram alcançados pelo novo coronavírus.
O Tocantins não é mais o último colocado no ranking nacional da Covid-19, posição que ocupava desde o início da pandemia, em março. Nessa terça-feira, ultrapassamos, com uma população de 1,497 milhão, Mato Grosso do Sul, com 2,62 milhões de habitantes, em número de casos e, a cada dia, avançamos mais sobre Mato Grosso, com 3,224 milhões de pessoas e o antepenúltimo colocado.
O cenário que se vislumbra para daqui a algumas semanas não é nada bom. O pior é que os líderes foram otimistas demais, flexibilizaram e jogaram fora cerca de 45 dias que eram para ser usados na ampliação da estrutura de atendimento aos pacientes mais graves. Ou seja, hoje estamos nas mesmas condições que estávamos no início da quarenta. Podem dizer que temos mais EPIs, mas o mesmo número, praticamente, de UTIs para Covid-19.
Ao invés de termos aproveitado esse período para implantar hospitais de campanha, treinar e contratar pessoal, achamos que tudo estava normal, flexibilizamos (claro, “com restrições”) e vivemos como se nada tivesse ocorrendo. As entidades médicas reclamam que nunca foram chamadas para uma reunião. Foram totalmente excluídas do processo decisório. Absurdo inconcebível que eu acompanhei de perto.
Cadê os hospitais de campanha anunciados pelo Estado há cerca de 15 dias? Eram 100 vagas para Palmas, 50 para Araguaína e 50 para Gurupi. Até agora nada. Houve um burburinho esta semana, mas não passou disso. Continuamos patinando, sem sair do lugar.
Concordo que não é momento de caça às bruxas, nem é a intenção. Mas precisamos aproveitar o tempo que temos de uma certa folga — se é que se pode usar essa palavra nesta altura — para ampliar a estrutura de atendimento. Para ontem! O Tocantins tem pressa, não há mais um segundo a perder.
O Estado precisa agir, já, no Bico do Papagaio, que está para explodir. A região manda os pacientes para Araguaína, que já tem a própria pressão e onde o sistema está entrando em estresse.
O passo atrás desta vez ficou para Palmas, onde a prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), que vinha se mantendo firme, flexibilizou para as empresas de transporte coletivo operarem com 100% de lotação — era 50%. Não é o momento disso. Se a empresa precisa de apoio, tinha que se estudar uma forma de subsídio do município, mas não permitir que opere normalmente. Entre um banco e outro tem cerca de 50 centímetros, quando a distância mínima entre uma pessoa e outra deveria ser de pelo menos 2 metros. Já adianto que o uso da máscara reduz a chance de contágio, mas não impede. Foi uma decisão errada, na hora mais errada.
Jornais internacionais mostram que o Brasil será o epicentro mundial do contágio pelo novo coronavírus e o Tocantins não será exceção. Não teremos a mesma quantidade de casos que outros Estados maiores, mas o suficiente para derrubar nosso diminuto sistema de saúde. Se as autoridades não tiverem a sabedoria, a responsabilidade e a humildade de enxergar isso, não só nossa saúde vai colapsar, mas também nosso sistema funerário e cemitérios — os públicos de Palmas, por exemplo, já têm pouquíssimas vagas para um fluxo normal.
Nossos líderes não ouviram o bom senso e a ciência e tiveram que ceder à imposição do novo coronavírus. Como bem disse o cientista Átila Iamarino, numa frase eu já havia reproduzido aqui: “Se você não fechar, a Covid fecha”.
Simples assim.
Palmas, CT, 6 de maio de 2020.