O título desta reflexão não se refere ao motim popular de 1904, no Rio, por causa da lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. Ainda que tenha relação muito indireta com imunizante, não é nada dessa dimensão histórica. Ao contrário. Na verdade, não tem qualquer relação também com a principal pauta da sociedade, a pandemia da Covid-19, apesar de o pivô do canhoneio ser um projeto importantíssimo para a Capital, uma vez que autoriza a prefeitura de aderir a consórcio de municípios para compra de vacinas. Trata-se de algo muito minúsculo, uma mera briga de egos inflados.
O que é certo é que nessa rusga pequena pouco se pensou nas dificuldades que Palmas enfrenta neste momento, em que a cidade já está com seu sistema de saúde em colapso, como atestou o médico Estevam Rivello, membro tocantinense do Conselho Federal de Medicina (CFM), ao programa Quadrilátero desta terça-feira, 9. Pacientes já estão tendo enormes dificuldades para conseguir leitos clínicos e faltam UTIs para quem precisa.
No entanto, a preocupação das duas principais líderes políticas da Capital é com o ego ferido. Uma porque não havia alguém no protocolo para receber o projeto — e de novo aparece postagem em rede social como estopim da crise. E, veja, se matéria fosse recebida nessa segunda, 8, ou nesta terça-feira, 9, não faria a menor diferença. A outra porque não gostou do que leu e preferiu empinar a carroça e não deixar a matéria tramitar, ao invés de buscar o diálogo para encontrar soluções práticas e rápidas para as deficiências do projeto, diante da urgência.
Em suma, um show de total imaturidade política. Este triste episódio não fará a menor diferença, porque o projeto deve ser aprovado — o prazo vai até dia 22 e é impensável que não seja dado o aval à prefeitura sob o risco de deixar Palmas de fora de um consórcio que busca vacinas para acabar com a crise do novo coronavírus. Além disso, a aquisição desse imunizante levará vários meses. Ou seja, essa cizânia não causa prejuízo concreto.
No entanto, o que sobressai é a mensagem passada à sociedade de como as questões institucionais estão sendo debatidas num nível pessoal, com o interesse público colocado num quinto plano. O recado dado: é mais importante satisfazer o desejo de vingança do ego ferido, depois se vê o que fazer com a pauta de interesse social.
Essa demonstração de imaturidade política ainda leva insegurança à comunidade. O cidadão deve estar se perguntando: e se tivesse que aprovar essa matéria sábado mesmo, com as madames em pé de guerra? Será que esse tema que mexe com o interesse da minha família seria colocado de lado enquanto elas resolviam suas diferenças pessoais com trocas de insultos? Quero crer que as duas líderes dariam prioridade absoluta ao interesse público. Mas, com o que assistiu horrorizado, o munícipe tem, sim, o direito de se questionar: em que mãos estão nosso destino?
Neste momento de gravidade da crise sanitária e econômica — porque tem muita gente sem renda porque não pode trabalhar — é indispensável que os líderes distensionem as relações, busquem o diálogo e coloquem o interesse público num pedestal muito acima de suas antipatias e idiossincrasias.
Afinal, não é possível que, em meio a centenas de mortos, milhares de doentes, falta de leitos clínicos e de UTIs, de gente passando fome, sem renda, a sociedade ainda deva se preocupar com o comportamento pessoal das duas comandantes do Executivo e Legislativo.
É hora de só os adultos ficarem na sala. A urgência da crise clama por isso.
CT, Palmas, 9 de março de 2021.