Tenho lido e assistido vídeos sobre uma personalidade que poderia ter contribuído muito mais para o Brasil, se tivesse encontrado por aqui solo fértil para que sua cultura germinasse e se o importante marido reconhecesse e valorizasse seus atributos para a construção do novo país. Refiro-me à imperatriz Maria Leopoldina de Áustria, esposa de Dom Pedro I.
Essa senhora tem uma importância gigantesca para a independência do Brasil, que passa despercebida. Primeiro porque foi ela quem convenceu o marido a permanecer por aqui no dia 5 de janeiro de 1822 – o tal Dia do Fico –, quando a corte exigia que ele voltasse a Portugal. Dona Leopoldina e José Bonifácio de Andrada e Silva, o maior estadista deste País – nunca houve outro igual depois –, e não Dom Pedro I, assinaram a independência do Brasil, quando em agosto receberam cartas da corte informando que reduziriam nosso status de Reino Unido de Portugal e Brasil, designação oficial assumida em 16 de dezembro de 1815, para uma mera colônia novamente.
Dom Pedro I havia viajado para São Paulo, onde uma revolta política precisava ser pacificada. Foi naquela viagem, inclusive, que conheceu Domitila de Castro Canto e Melo, a futura Marquesa da Santos, com quem viveria um tórrido e escandaloso romance. Ele tinha deixado Dona Leopoldina no Rio como Princesa Regente Interina do Reino Unido Brasil e Portugal e foi sob essa função oficial que ela assinou a independência e enviou as cartas ao marido, que voltava de viagem e se encontrava no Riacho Ipiranga.
Diferente do que mostraria depois o quadro “O grito do Ipiranga”, do pintor Pedro Américo, de 1888, ou seja, passados 66 anos do episódio, Dom Pedro I não montava um fogoso alazão nem se postava heróico de espada empunhada rumando ao céu, cercado por Dragões da Independência, a chamada Cavalaria de Guardas, solenemente fardados. O futuro imperador estava numa mula – só ela conseguia vencer a Serra do Mar – e com uma absurda dor de barriga. “Foi, portanto, como um simples tropeiro, coberto pela lama e a poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil”, escreve brilhantemente Laurentino Gomes, em seu magnífico “1822”.
A futura imperatriz Leopoldina, pelo nascimento chamada Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo, desembarcou no Rio em 6 de novembro de 1817, filha de Francisco I, o imperador da Áutria, da qual detinha o título nobiliárquico de arquiduquesa. Era uma mulher letrada, extremamente culta e que convivera com algumas das maiores mentes das artes e da ciência na Europa.
Encontrou no Brasil um príncipe que era a cara do País da época e de hoje: iletrado, avesso aos estudos, boêmio e mulherengo. Dona Leopoldina era motivo de chacota em solo brasileiro por ser dada aos livros e às ciências. Qualquer semelhança com nossos dias não é mera coincidência.
Apesar das dezenas de mulheres da vida de Dom Pedro I, viveu bem e foi feliz com o futuro imperador até que ele conheceu Domitila. O homem se apaixonou de tal forma que levou a amante de Santos para morar em frente ao Palácio. O escritor Eduardo Bueno conta que a coisa foi tão escandalosa que, numa viagem à Bahia, em 1825, Domitila, e não Dona Leopoldina, foi tratada pelas pessoas como a primeira-dama.
Com o tórrido romance, Dom Pedro passou a tratar muito mal a imperatriz, a ponto de trancá-la nos aposentos para curtir a noite em festas que varavam a madrugada.
O fim da Imperatriz Leopolina foi triste. Após uma áspera discussão com a esposa, em 1826, Dom Pedro I teria a agredido até com chutes – ela grávida de 12 semanas. A agressão não teve testemunhas, mas o que se diz é que foram ouvidos gritos nos aposentos.
Dom Pedro, então, foi para o Rio Grande do Sul inspecionar as tropas na Guerra da Cisplatina. Ao se despedir da imperatriz, ela lhe disse que quando voltasse não estaria mais ali. E de fato isso ocorreu. Ao chegar a Porto Alegre, em meados de dezembro de 1826, o imperador soube que a esposa falecera, com apenas 29 anos. Ela perdeu a criança e o parto gerou complicações. Chegou a escrever em carta que morreria de desgosto.
Passados 198 anos, as condições sociais do Brasil mudaram muito. Ainda que estejamos a milhares de anos-luz de sermos o país justo que sonhamos, com uma distribuição de renda mais equilibrada, antirracista e que respeita sua rica diversidade, não dá para comparar a Nação de hoje com aquela gestada por Dom Pedro e Dona Leopoldina. Contudo, em termos de mentalidade, não houve um avanço tão significativo.
Ainda desdenhamos do conhecimento, como faz o atual presidente Jair Bolsonaro, sem sombra de dúvida, o homem mais desqualificado que já se sentou na cadeira principal do Palácio do Planalto, do Catete ou de qualquer outra em qualquer tempo desde o Brasil Colônia. Vemos diariamente a maior autoridade do País, seu entorno e milhões e milhões de brasileiros ridicularizarem cientistas, além de artistas e qualquer outro que se dedique a estudar, a ler e a pesquisar, como se fazia com Dona Leopoldina há quase dois séculos.
O Brasil ainda resiste ao fato de que é a educação que vai redimi-lo. Ao invés de apostar nessa tese, investir pesadamente na qualificação de sua gente, o que vemos é o ministério da área ocupado inicialmente por palhaços desqualificados e atualmente por alguém que não existe do ponto de vista da vida pública. Que foi posto lá tão somente para não deixar o cargo vago.
Nessa esteira da anticiência, permitimos que um vírus já tenha matado mais de 126 mil brasileiros em apenas seis meses, que as políticas de proteção ambiental sejam dizimadas como nossas florestas, a marginalização da cultura e agora somos rondados pelo fantasma da hiperinflação que nos assombrou por quase toda a República.
Como há 198 anos, somos ainda um país profundamente ignorante e que se orgulha e se vangloria disso.
Nesses tempos sombrios, a imagem de Dona Leopoldina surge como uma luz no fim do túnel que deveria orientar nossa caminhada.
Ou é isso, ou é a barbárie.
Feliz Dia da Pátria!
CT, Palmas, 7 de setembro de 2020.