O voto distrital misto é fundamental para uma mudança profunda na política brasileira. Ele garantirá que o representante popular comece a prestar contas ao eleitor e pare de tratar o mandato como um capital pessoal para fazer negócios em casas legislativas. Outro passo fundamental é o parlamentarismo. Precisamos reduzir drasticamente o número de partidos — a maioria mais do que absoluta deles só serve também para negócios não republicanos, não têm qualquer bandeira democrática efetiva, só nos estatutos — para implantar o parlamentarismo. Numa crise como a atual, por total inoperância, derruba-se o gabinete do primeiro-ministro e a vida segue sem traumas enormes, como os causados por impeachment. Temos que sair deste presidencialismo imperial que vivemos. A cláusula de barreiras, que vai erguendo o sarrafo e filtrando mais e mais as agremiações políticas, é um bom caminho.
No entanto, não é com este intuito republicano e democrático que o Congresso começa a discutir a implantação do chamado distritão. Longe disso. Trata-se de um golpe parlamentar contra os pré-candidatos a deputado estadual e federal sem mandato. E comprova que os vereadores, como sempre ocorre nos improvisos de que é feita a legislação eleitoral brasileira, foram usados de cobaia.
Pelo voto distrital misto, os Estados serão divididos por regiões eleitorais. O eleitor escolherá um representante de seu distrito, com o atual sistema de coeficiente eleitoral, e ainda serão eleitos candidatos por legenda, e a vaga fica com os mais votados. Com isso, garante-se a representação regional e também espaço para minorias, por exemplo.
Pelo distritão, cada Estado é um único distrito, não há eleição por coeficiente, e os mais votados de cada unidade federativa ficam com as vagas disponíveis. Por que isso? Na retórica enganosa para justificar a medida, os parlamentares dizem que é o caminho necessário a ser percorrido até chegarmos ao voto distrital misto. Mas, na realidade, é golpe.
Os deputados viram o sofrimento dos vereadores com o fim da coligação partidária. Aqueles de mandato não conseguiam legenda, se deixaram o partido, e, sem permaneceram, não atraíam candidatos para fazer de “escadinha”, como sempre ocorre. Além disso, viram seus filiados buscarem outras siglas em que poderiam ser mais competitivos.
Perde totalmente a atratividade um partido em que o candidato sem mandato tenha que concorrer com vereador, num sistema sem coligação. Quem está no mandato sai com vantagem enorme. Antes, com várias legendas coligadas, o grupo poderia conseguir mais votos e obter duas ou três vagas. Assim, reelegeria o mandatário e, ao mesmo tempo, daria oportunidade aos novatos.
Sem coligação, o número de votos é menor, suficiente apenas para reeleger quem está no mandato. Ou seja, os demais, no caso das eleições do ano passado, foram meras “escadinhas” para quem já era vereador. Por isso, houve uma renovação enorme nos legislativos. Os novatos buscaram legenda sem mandatários e os partidos não aceitavam receber candidatos à reeleição.
A situação que se desenha para 2022 é a mesma. Com deputados federais filiados, os partidos não conseguem atrair “escadinhas” para reelegê-los. Tentam apelar a candidatos cujo objetivo é apenas apresentar o nome ao eleitorado, de olho, na verdade, numa vaga de prefeito em 2024. Mas são poucos, insuficientes para garantir votos para reeleger todos os mandatários.
Qual a saída então se as regras não favorecem a reeleição dos deputados? Mudar as regras. Afinal, estamos no Brasil. Uma figura importante da política certa vez disse que, se a lei é grande, ele passava por baixo; se fosse pequena, passava por cima. Resume bem como o Estado Democrático de Direito é visto pelo Poder no Brasil. Sem falar da batida frase de Getúlio Vargas: “A lei, ora a lei”.
Sem ter de se submeter ao coeficiente eleitoral fica mais fácil para quem tem mandato. Eles são mais conhecidos por estarem há muitos anos na política, têm mídia espontânea como resultado de sua atuação legislativa, contam com as antirrepublicanas emendas parlamentares para cooptarem prefeitos e ainda desfrutam de mais acesso ao empresariado para garantir recursos “extras” para a disputa. Além de que viajam todo o Estado de sexta a segunda, com verba de representação garantida pelo contribuinte. Ou seja, a campanha eleitoral deles é paga com o meu, o seu, o nosso.
Como concorrer com candidatos que dispõe de tantos recursos financeiros e políticos para irem à reeleição? Não há paridade de armas, o que torna quase impossível que um candidato sem mandato tire a vaga de um parlamentar. A única exceção é alguém muito rico, que use e abuse do caixa 2 para divulgar seu nome e ir à compra de líderes.
Portanto, o distritão é tentativa de golpear os concorrentes sem mandato, é impedir a oxigenação da política, sendo, por todos esses motivos aqui expostos, uma manobra absurdamente antidemocrática.
CT, Palmas, 15 de junho de 2021.