A política tocantinense perdeu um de seus mais aguçados estrategistas com a morte do ex-secretário estadual da Infraestrutura José Edmar de Brito Miranda, no sábado, 25, em São Paulo, aos 87 anos. Dr. Brito teve participação decisiva na criação do Tocantins, como líder do governador Henrique Santillo na Assembleia de Goiás, e na ampliação da democracia tocantinense, comandando a frente que derrotou a União do Tocantins (UT).
Pessoalmente, tive bons e maus momentos na relação com Dr. Brito ao longo desses 20 anos históricos para o Estado. Felizmente, nos reencontramos no último governo Marcelo Miranda (MDB) e desenvolvemos uma amizade que durou até agora. Passei muitas horas ouvindo-o contando episódios importantíssimos sobre a criação e o desenvolvimento do Tocantins. Mesmo já em avançada idade, o ex-secretário tinha uma memória fotográfica, que captava pequenos detalhes de reuniões, eventos políticos e de sua relação pessoal com importantes figuras da política tocantinense, goiana e brasileira.
Enquanto os deputados federais Siqueira Campos e José dos Santos Freire lutavam na Assembleia Nacional Constituinte pela criação do Tocantins, Dr. Brito agia em outra trincheira dificílima, a Assembleia Legislativa de Goiás. Como líder do governador Henrique Santillo no Parlamento, convenceu o chefe do Executivo a enviar a pauta para os deputados e articulou a base de votação para aprovar a divisão dos Estados. Tinha a dura missão de conquistar 100% dos votos de seus pares. Um só voto contrário e toda a luta na Constituinte seria vã. Daí precisou fazer uma manobra, uma vez que um dos colegas era contra dividir Goiás. Com o opositor à proposta ausente, o texto acabou aprovado por unanimidade e a Assembleia Nacional pôde criar o Tocantins com a Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988. “Só o Brito conseguiria isso, porque era difícil demais”, testemunhou o emedebista histórico Derval de Paiva.
Dr. Brito esteve presente já na primeira eleição do Tocantins, logo após a criação do Estado, como candidato a vice-governador do deputado José dos Santos Freire.
Depois deixou o MDB, da qual era membro histórico, para se aliar a seu adversário Siqueira Campos em 1994. Em pouco tempo conquistou a confiança do governador e se tornou seu homem forte na Secretaria Estadual da Infraestrutura, o que gerou enorme ciumeira na base da poderosa União do Tocantins, o grupo político que dava sustentação ao siqueirismo.
A participação política mais importante de Dr. Brito para a história do Estado, após a criação do Tocantins, foi no rompimento da UT em 2005, quando seu filho, o governador Marcelo Miranda, eleito na base siqueirista, deixou o PSDB para voltar ao MDB. Neste momento, começou a definhar a força do grupo do maior líder do Estado, Siqueira. A UT foi extinta no final de 2009, quando o ex-governador se uniu à senadora Kátia Abreu (PP), numa aliança que lhe garantiria o quarto mandato em 2010.
Quando cheguei ao Tocantins no final de 2002, a UT tinha 133 dos 139 prefeitos do Estado. Isso mostra a força e a capilaridade do grupo de Siqueira até então. A eleição do na época petista Raul Filho para prefeito de Palmas e o crescimento exponencial da oposição em 2004, que conquistou vários dos principais municípios, deram o impulso necessário para o início de um movimento que resultou no rompimento da UT em 2005. Com o bom momento de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de Raul na Capital, o PT elegeu Paulo Mourão em Porto Nacional, Padre Milton em Guaraí e José Salomão em Dianópolis. Outros partidos de oposição também conquistaram muitas prefeituras e vagas nas câmaras, principalmente o MDB, mas ainda o então PPS e o PDT. A oposição também contava com o PCdoB. Todos os demais partidos compunham a UT.
Para mim, a derrota utista foi o mais importante fato histórico da política do Tocantins desde a criação do Estado em 1988. O enfraquecimento do grupo de Siqueira e depois o seu fim oxigenaram a democracia tocantinense e permitiram a ascensão de novos líderes, que antes tinham que passar pelo crivo do siqueirismo até para conseguir legenda para disputar vaga em parlamentos, prefeituras e Congresso.
Claro, como também sempre ressalto, o efeito colateral dessa democracia mais ampla foi a perda do controle das contas públicas. Siqueira era extremamente austero até seu terceiro governo (1999-2002) e entregou o Executivo a Marcelo em janeiro de 2003 com apenas 35,7% de comprometimento da Receita Corrente Líquida com folha. Após voltar ao comando do Palácio em 2015, o próprio Marcelo repassou o governo em 2018 para Mauro Carlesse (PSL) com esse índice em 58%. Esse descontrole, contudo, não pode ser colocado apenas na responsabilidade do emedebista, mas de todos os seus sucessores a partir da gestão dele até 2009 — Carlos Gaguim (2009-2010), o próprio Siqueira em seu último governo (2011-2014) e Sandoval Cardoso (2014).
De toda forma, a partir da ampliação da democracia tocantinense com a derrota da UT, sob o comando de Dr. Brito — que foi fundamental, inclusive, para fazer o filho dele, Marcelo, governador por três vezes —, os destinos do Tocantins deixaram de ser definidos por apenas uma pessoa para se tornar efetivamente uma responsabilidade coletiva.
Nesse maior alcance da democracia estadual, uma conquista valiosíssima para o nosso povo, não há o que criticar na atuação do Dr. Brito. No entanto, como também já afirmei em outras ocasiões, nossos líderes não estão se colocando à altura desta responsabilidade. Prova disso foram os seis governadores que passaram pelo Palácio Araguaia em apenas 12 anos (de 2009 a 2021). Desde Marcelo em 2006 que um governador não termina todo o mandato. Ou há cassação, ou renúncia, ou afastamento.
A consolidação dessa nova fase da democracia tocantinense precisa passar por um amadurecimento de nossos líderes, com maior comprometimento deles com o Estado e de mais elevado espírito público. Verdade é que os políticos do Tocantins estão em grande débito com seu povo.
Sem isso, a luta de Dr. Brito por este novo momento do Tocantins terá sido em vão.
Descanse em paz, amigo, e obrigado pelos ensinamentos.
Palmas, 27 de dezembro de 2021.