Desesperançado, esta semana escrevi que tenho vergonha neste momento de ser brasileiro por todos os fatos que mostram que vivemos o período mais baixo da nossa República. Revelamo-nos ao mundo como um povo completamente ignorante, enraigado em concepções medievais, obscurantistas, anti-ilumunistas. Assim, desdenhamos da ciência e, por isso, pagamos elevado preço, com quase 470 mil mortos pela Covid-19. No entanto, nesta quarta-feira, 2, meu coração se encheu de uma expectativa renovada com o futuro. O depoimento à CPI da Covid da médica infectologista Luana Araújo foi como um farol para iluminar este mar revolto que vivemos, cercados por ondas de obscurantismo, anti-iluminismo, negacionismo, bolsonarismo.
Vimos uma jovem, de sólida formação e princípios, dar aula à privilegiada plateia da comissão do Senado, parte dela formada por pregadores destes tempos de absoluta ignorância. Doutora Luana e sua rápida passagem pelo Ministério da Saúde — apenas dez dias como secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19 — são, em si mesmo, a explicação cabal dos motivos de termos fracassado nesta guerra contra o novo coronavírus. E fracassamos redondamente.
Através dela, soubemos que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, não tem um só infectologista em sua assessoria, apesar de estarmos sob a maior pandemia dos últimos 100 anos. Isso é inacreditável! É ainda altamente revelador sobre o motivo de nosso insucesso, e de centenas de milhares de famílias chorarem agora a morte de seus entes queridos, o fato de a Doutora Luana não ter sido absorvida pela estrutura do Ministério da Saúde justamente por sua maior qualidade: a formação científica. Ficou muito claro que o governo de Jair Bolsonaro quer na sua equipe quem pensa politicamente como ele, a ponto de adequar as ações a seus caprichos, como fez o ex-ministro Eduardo Pazuello e se equilibra todo para fazê-lo o sucessor, Queiroga.
Fracassamos completamente no controle da Covid-19 e na vacinação dos brasileiros porque o governo Bolsonaro optou por navegar em águas bem diversas daquelas tranquilas em que veleja a Doutora Luana, a da ciência. O presidente da República preferiu se embrenhar pelos mares raivosos do charlatanismo e das teorias da conspiração mais estapafúrdias.
Enquanto Bolsonaro impôs ao governo e ao País um placebo contra uma doença letal, Doutora Luana nos ensinou nesta quarta-feira que a cloroquina é responsável pelo aumento de 77% no risco de óbitos em pacientes com Covid-19.
Bolsonaro insiste no famigerado “tratamento precoce” como solução simplista para um mal complexo, mas Doutora Luana aponta segura para o Brasil: “Uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente” […] “Todos somos a favor de um tratamento precoce que exista. Mas ainda não existe.”
O presidente da República, aos tropeços nos seus confusos e superficiais circuitos mentais, desprezou as vacinas até quando a pressão da sociedade falou mais alto, e ainda tenta a todo momento jogar todos às ruas para se infectarem logo, às massas. Já Doutora Luana ligou o alerta para avisar os incautos: “Uma imunidade de rebanho natural dentro da Sars-Cov-2 e da Covid-19 é impossível de ser atingida. Não é uma estratégia inteligente”. […] “A gente atinge a imunidade de rebanho com vacina sem sofrimento.” É que a Doutora não pode esperar tirar inteligência de onde não tem.
Um vídeo apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) resumiu a tragédia deste cruzeiro acidentado que o Brasil fez nesse pouco mais de um ano de pandemia, sob a condução irresponsável de Bolsonaro: “Não sou coveiro”, “E daí?”, “É gripezinha”, “País de maricas” e outras barbeiragens vomitadas se sucederam em apenas um minuto.
A reação emocionada da Doutora Luana, ante a tanta selvageria e ignorância, tocou todo o Brasil: “A mim, me parece que falta informação de qualidade. Que na hora que você obtém a informação de qualidade e passa a informação de forma que a pessoa tenha condição de compreender, não é mais esse tipo de comportamento que a gente espera que aconteça. Então, a mim me dói”.
Por fim, em nome da parte significativa da população que resiste à escuridão e quer nos recolocar na marcha civilizatória, o senador Randolfe lamentou, não por Doutora Luana, mas pelo País: “Tenha certeza de que foi o Brasil que perdeu com a sua não efetivação [na secretaria do Ministério]. Foi a saúde do brasileiro. Fomos todos nós que perdemos. A senhora dá muita esperança a todos nós”.
É isso. A jovem infectologista me devolveu em parte a esperança neste País. Me fez pensar: “Quem sabe?”. Afinal, esta tempestade não será eterna. Uma hora o obscurantismo, o anti-iluminismo, o negacionismo, o bolsonarismo, vão passar. Aí pode ser que…
Obrigado, Doutora Luana.
CT, Palmas, 2 de junho de 2021.