Tempos difíceis estes que a atual geração enfrenta, e que nos marcará pelo resto de nossas vidas. Um vírus que faz vítimas e tira o meio de subsistência de quem, antes mesmo dele varrer o mundo, já batalhava sob os maiores percalços a luta pela sobrevivência. As peripécias políticas insanas do celerado de Brasília insensível à dor de seu povo, candidato à ditador de quinta categoria. E ainda perdemos quem amamos, dos quais sequer temos o direito de nos despedir.
Como vê, minha querida Kibb Barreto, teríamos assuntos demais para horas e horas de conversa, que se alternaria entre esses temas áridos e escuros e suas inesquecíveis e indispensáveis tiradas de bom humor. Se fosse ainda naquela época do Espaço Vida Saudável, então, lembra? Nossos encontros eram diários e, não raro, até duas vezes por dia. Quanto poderíamos prosear!
Misantropo inveterado, eu ficava sabendo por você das peculiaridades da vida social, econômica, cultural e política de Palmas e do Tocantins. Peculiaridades, diga-se, às quais só você, amiga, tinha acesso, porque nunca vi alguém tão querida por todos, que entrava em todo canto e era presença cativa e necessária nos principais eventos.
Aqueles papos agradáveis no Espaço Vida Saudável às vezes nos levavam a ter pena dos personagens, outras, raiva, alegria, tristeza e até nos entortavam em gargalhadas pra lá de estridentes. E que saudade de sua gargalhada, de sua alegria contagiante e de sua disposição de continuar cultivando a amizade com alguém tão chato como eu. Sei que está rindo, mas é verdade.
Seus cuidados de irmã comigo passavam pelos conselhos e até pela insistência para que eu me reaproximasse de ex-amigos com os quais estava rompido, geralmente por essa minha verve antissocial. Você ficava lá, rodeando o assunto, entrando devagar nesses temas mais espinhosos, até que me dava um xeque-mate. Armava os reencontros e minhas relações eram refeitas.
Lembro de sua mágoa com o fato de os pioneiros de Palmas não terem tido a valorização que mereciam depois da coragem e da luta para virem para um lugar quase que inóspito, num tempo em que ninguém queria. Tinha toda a razão, minha querida. E foi uma das maiores vítimas dessa falta de consideração da política pequena e rasteira de líderes que alijam pessoas tidas como inimigas pelo simples fato de não estarem ao lado deles em campanhas eleitorais. Também daqueles que se diziam amigos, mas que, apesar de todo o poder, não levantaram um dedo para ajudá-la.
Nesse espetáculo do absurdo da vida social e política que ainda marca nossa sociedade, com muita dor no coração, vi você passar por intensa turbulência nos seus últimos meses, mas tirando as pedras do caminho com as suas marcas de sempre: dignidade e bom humor.
Amiga, me arrepio agora e os olhos se enchem de lágrima ao ver sua última mensagem para mim, no meu aniversário, em 12 de abril, quando cinquentei: “Feliz idade nova, amigo! Deus abençoe ricamente estes novos dias com saúde, paz, amor e sucesso na sua vida. Parabéns pra você, hoje e sempre!”.
Agradeci e perguntei como estava, e a resposta me entristeceu: “Aqui vivendo um dia de cada vez, amigo. A recuperação é muito lenta”. De toda forma foi um alívio ter recebido sua mensagem e saber que lutava, resistia como guerreira que sempre foi, e que — eu não tinha dúvida disso — logo estaríamos numa das minhas tradicionais noites de sexta-feira, assim que o vírus maldito nos deixasse, tomando umas, com você me atualizando de todas as peculiaridades da vida tocantinense que havia perdido enclausurado neste apê.
Que pena que não deu, minha irmãzinha. O câncer, outro maldito, se intrometeu sem ser chamado e, cruel e insensível, a tirou de nós. Mas a vida continua — e sempre falamos disso, lembra? —, e um dia haverá o reencontro. Nossos bons papos voltarão, mas, no plano espiritual, serão só de alegria e muitas e muitas gargalhadas.
Por enquanto, descanse a merecida paz depois da guerra que travou contra esse nosso inimigo implacável. Depois, se informe de tudo porque, quando eu chegar por aí, farei a pergunta com a qual você me recebia todas as vezes que nos encontrávamos:
— Kibb Barreto, conte-me tudo e não me esconda nada!
Minha irmãzinha querida, nunca te esquecerei. Te amo.
CT, Palmas, 1º de junho de 2020.