Na política são conceitos muito diferentes. Uma coisa é Poder, outra é autoridade. Um agente político se investe de Poder ao se eleger, mas no exercício do mandato conquista autoridade. Ou não. Se um presidente da República descumpre as orientações de seu ministro da Saúde, promove aglomeração de pessoas e passa a mão no nariz e a estende a cidadãos em meio à maior pandemia da humanidade das últimas décadas, ele não só se apresenta ao seu país como péssimo exemplo. Ele também perde a autoridade.
Neste case que assistimos incrédulos, os fatos mostram essa clara perda de autoridade. Pesquisa constatou que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta dobrou sua aprovação sobre a de seu ex-chefe, Jair Bolsonaro. Placar de 76% a 33%, de acordo com o Datafolha. Outro dado importante para essa reflexão: enquanto Bolsonaro prega em toda oportunidade contra a necessária quarentena para tentar evitar o colapso do sistema de saúde, o mesmo instituto de pesquisa radiografou que 76% dos brasileiros aprovam o isolamento social horizontal.
[bs-quote quote=”Os políticos têm o Poder, uma vez que a caneta que assina decisões está em suas mãos. Obtiveram votos para isso. Entretanto, mesmo podendo muito, não podem tudo” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Mas o objetivo aqui não é falar sobre o obscurantismo bolsonarista, ainda que tenha relação com o tema, porque, na tentativa de impor sua mentalidade obtusa, o líder e sua seita ressaltaram ainda mais a autoridade da ciência. Os políticos têm o Poder, uma vez que a caneta que assina decisões está em suas mãos. Obtiveram votos para isso. Entretanto, mesmo podendo muito, não podem tudo.
É nessa encruzilhada que nos encontramos: devemos seguir o que diz a ciência ou nossos políticos, ainda que a postura deles confronte os fatos, matéria-prima das conclusões científicas? Pelo que as pesquisas de opinião pública — como as citadas acima — têm mostrado, a população quer ser guiada pelo Iluminismo e não pela medievalidade. No Tocantins, parece que não é diferente. Um sintoma disso é a elevadíssima audiência das entrevistas da Coluna do CT com médicos sobre a Covid-19.
Essa busca de informação científica sobre o tema que mais preocupa a humanidade mostra que nossa população não aprova a mentalidade primitiva de quem politiza um vírus ou de quem brinca com a saúde pública, promovendo flexibilização da quarentena sem qualquer evidência científica de que o pior já passou. Sobre isso, tenho dito a quem interessar possa qual vai ser o critério de avaliação de nossos líderes no pós-pandemia. Não será quantas empresas quebraram ou se mantiveram em pé, mas quantos cadáveres foram empilhados às suas portas.
Nos Estados Unidos, a maior potência global, morreram nas últimas 24 horas 4.491 seres humanos. Esse número significa quase o dobro das vítimas do Word Trade Center, em 11 de setembro de 2001, que somaram 2.753 pessoas.
Tomando por base evidências científicas, a partir de dados e experiências ao redor do mundo, o médico, professor da UTF e assessor do Ministério da Saúde, Neilton Araújo, em entrevista à Coluna do CT, fez a seguinte conta: muito mais de 10 mil palmenses serão contaminados pela Covid-19. Deles, 80% podem nem perceber, mas 20% serão mais castigados pelos sintomas pela doença. Desses últimos, 10% — no mínimo, mil pessoas — precisarão de UTI e respirador. Em todo o Tocantins, temos 288 UTIs públicas e privadas e o governo fala em estender isso a um máximo de 350. Se ficarmos em isolamento social rigoroso, essa contaminação se dará em “ondas” menores e menos vidas serão perdidas. Se relaxarmos e tomarmos as ruas de uma só vez, será uma carnificina.
Isso quem diz não é só o dr. Neilton, mas quase todos os infectologistas e cientistas fazem essas projeções para o País. A questão não é se a “onda” vai chegar, mas quando e como vai chegar. Vai se espraiar primeiro pelos centros de maior densidade demográfica e com muito trânsito internacional. Isso já está ocorrendo: São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Fortaleza. Então, a “onda” vai começar a engolir o interior, onde encontrará miséria extrema e ignorância profunda, dois alimentos que tinha em doses menores no primeiro mundo. Nos Estados Unidos, todo-poderoso, já são mais de 33 mil cadáveres. Aqui, ainda no começo — o pico está programado para maio e junho —, já são praticamente 2 mil.
Grande parte dos políticos minimizam: é “histeria”, “terrorismo”, “vamos abrir tudo, fingir que estamos seguindo umas regrinhas para os ‘radicais’ se acalmarem, e tudo ficará bem”. E conclama a todos: “Descansa, come, bebe e folga!”.
Cabe a cada cidadão escolher a quem dará ouvidos: se à ciência, que se baseia em dados e estudos sérios que vêm se confirmando por todo o mundo, onde o vírus tem ignorado o poderio bélico, econômico e cultural e fazendo uma devastação; ou se a ignorantes investidos de Poder, preocupados apenas com a arrecadação e com a pressão do setor econômico, sem dar a mínima importância à vida humana.
Toda autoridade neste momento está com a ciência e não com os poderosos deste planeta. É com ela que fico.
CT, Palmas, 17 de abril de 2020.