Há quase 20 anos fiz uma imersão em marketing político com Carlos Augusto Manhanelli, um dos mais respeitados e experientes profissionais do setor, e, numa sala cheia de políticos, uma das primeiras coisas que ele disse foi: esteja preparado para trair e ser traído. A lição é que fidelidade em política é circunstancial. Afinal, o alvo é a conquista do poder e rifar um aliado no percurso pode ser preço a ser pago. O caso do MDB com a vice-prefeita e ex-deputada federal Dolores Nunes é uma ilustração perfeita de como o ensino milenar – porque não é de hoje que isso ocorre – foi aplicado.
Como disse o emedebista de Gurupi Paulinho Cangati em sua carta-desabafo, não há como separar a história do MDB do sobrenome Nunes. No caso de Dolores, foi secretária de Desenvolvimento Social do governo de Goiás de Henrique Santillo, eleita a primeira deputada estadual pelo Tocantins em 1990 e federal em 1994. Em Gurupi, além de duas vezes vice-prefeita de Laurez Moreira (PSDB), também foi primeira-dama – seu marido, Jacinto Nunes, histórico emedebista, se elegeu prefeito em 1982 –, secretária municipal do Desenvolvimento Social e presidente da Fundação Educacional da cidade. Quase que a totalidade de sua vida pública militando pelo MDB.
Assim, hoje poucos emedebistas do Tocantins personificam tanto o espírito do emedebismo como Dolores. No entanto, paixão, amor, fidelidade, amizade, companheirismo e reconhecimento são instrumentos de política, por isso, sempre circunstanciais. Lógico, me refiro à vida real, aquela que gosto de tratar aqui, não de discursos bonitos e idílicos de palanque. Se a conveniência requer, esses instrumentos são tirados da gaveta e colocados em público. Se atraírem votos, simpatias e apoios, eles são muito úteis.
Contudo, se representarem uma pedra no meio do caminho em que se trilha em direção ao poder, são deixados de lado. Em três décadas como observador privilegiado da política, nunca vi essa lição falhar. Claro, ao cidadão avesso à política, aos apaixonados por ela ou pelas raposas desse habitat – na sintomatologia da paixão, o primeiro sinal verificado é a cegueira –, isso pode parecer algo assustador, mas quem está na lida faz um tempinho sabe bem do que estou falando.
É o que leva, por exemplo, inimigos figadais de ontem trocarem loas no palanque de hoje. Perdoaram-se? Tornaram-se amigos? Não. São os sapos necessários que precisam ser engolidos na estrada que desemboca no poder. Enquanto for conveniente, estarão juntos. No dia em que um se tornar empecilho, as desavenças do passado voltam com força.
Nessa pré-campanha, um político me ligou chateado porque seu líder estava fazendo uma aliança com alguém de quem tem asco. Experiente, contou ter manobrado para evitar o indesejável até onde deu e constatou que se avançasse mais o sinal daria um tiro na própria cabeça. Então, cedeu. Brinquei que ainda me divertiria com ele rasgando elogios ao cidadão, com o que me respondeu: “Político tem que ser sem-vergonha, ou não serve para ser político. Sou mestre, doutor e PhD nisso”.
É o resumo de tudo.
Aos neófitos, bem-vindos a esse mundo estranho e, muitas vezes, intragável da política.
CT, Palmas, 15 de setembro de 2020.