Só o fato de se sugerir a convocação de uma constituinte em meio à balbúrdia que virou o Brasil nos últimos anos já é o suficiente para se gerar insegurança geral no país. Se já foi difícil formatar o atual texto constitucional com figuras da mais elevada estirpe, respeito, qualificação e autoridade moral na segunda metade dos anos 1980, imagine com esse Parlamento desqualificado em todos os sentidos que temos hoje.
Há 30 anos, a maioria dos congressistas atuais não teria sequer ambiente político para se eleger, e os poucos que conseguissem — os tidos como estrelas neste momento de absoluta desmoralização da política nacional —, três décadas atrás seriam baixo clero dos mais rasos. Como comparar essa gente com uma época em que a política era feita com a autoridade de um Ulysses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso, Roberto Campos, etc. Quadros da direita à esquerda que merecem todo o respeito e consideração.
[bs-quote quote=”Vivemos um momento baixíssimo também das nossas instituições. São os sinais do tempo. De um tempo em que os valores são invertidos e relativizados para se adaptarem às necessidades de quem têm acesso a autoridades que deveriam se pautar pela letra fria da lei” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Falta estatura à política de hoje para se falar em nova constituinte e ambiente político propício. Assim, como ouvi de um analista, quem faz a proposta para discutir a prisão após condenação em segunda instância, na verdade, não quer essa mudança no texto constitucional, mas usa essa demanda popular com objetivos de outras alterações na Carta Magna, com certeza, que em nada tem de saudável para a cidadania. Isso é proposta de quem esconde motivações escusas.
Bom ressaltar que esse debate da nova constituinte é mais um reflexo da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso da prisão após condenação em segunda instância. Diga-se: um STF de tão baixa estatura moral quanto o Congresso Nacional. Dou um pelo outro e não quero troco.
Quando coloca-se num cargo de tamanha responsabilidade gente que não está à altura dele, como advogados de partidos políticos que vão lá para cumprir missões personalistas, dá nisso. Lembro-me da dura resposta que o jornalista José Nêumane Pinto deu tempos atrás ao enfadonho e presunçoso ministro Marco Aurélio Mello, um jabuti colocado no poste pelo primo, o presidente “impeachmado” Fernando Collor de Mello. Em meio ao debate na TV com o jornalista, Mello pergunta: “Você não acredita em sua Suprema Corte?”. Nêumane não titubeou: “Não, não acredito”.
Eu também não. Trata-se de um colegiado que assumiu por missão politizar o judiciário, cujas decisões se dão ao contorno das conveniências, ditadas pelas relações questionáveis de ministros com políticos e escritórios de advocacia que faturam milhões com o trânsito livre em seus gabinetes. A revista Crusoé tem feito uma série de denúncias nesse sentido, que a grande imprensa faz questão de fingir que não é com ela.
Assim, vivemos um momento baixíssimo também das nossas instituições. São os sinais do tempo. De um tempo em que os valores são invertidos e relativizados para se adaptarem às necessidades de quem têm acesso a autoridades que deveriam se pautar pela letra fria da lei. Mas elas seguem um dito bem pragmático: se a lei for grande, passa-se por baixo; se pequena, passa-se por cima. Este é o espírito legal que prevalece nas relações incestuosas de Poder no Brasil neste início de século.
Com um Congresso moralmente nanico, instituições democráticas aparelhadas por valores longe daqueles defendidos pelo espírito republicano e, como a coluna dizia esses dias, com o radicalismo populista de direita e esquerda se impondo às pautas mais urgentes de reforma do Estado, como falar numa nova constituinte?
Para evitar o retrocesso, vamos ficar com a Constituição que está aí, repleta de defeitos, mas construída por um grupo de homens e mulheres de valores morais de uma altura que a vida pública brasileira hoje já não é digna de alcançar.
CT, Palmas, 13 de novembro de 2019.