Desde Carlos Gaguim que um governador não demonstrava tanta força na Assembleia como Mauro Carlesse em 2019. O governador conseguiu aprovar todas as matérias enviadas, várias delas em tempo recorde, apesar de altamente explosivas. Nas gestões Siqueira Campos (2011-2014) e Marcelo Miranda (2015-2018) não foi assim. Os dois governos foram emparedados pelos deputados e não conseguiram se desvencilhar e montar uma base sólida.
No centro das rebeliões que se assistiu estavam as malditas emendas parlamentares, que, na AL, se tornaram nas últimas legislaturas um fim em si mesmo. Todas as matérias giravam em torno desse mecanismo que, acima de tudo, funciona como cooptação dos principais cabos eleitorais do Estado, os prefeitos. Sem o dinheiro na conta do município, o deputado não pode segurar o líder maior da cidade em sua base. Daí o motivo de as cobranças contra o Palácio Araguaia envolverem até a recusa de se votar projetos e medidas essenciais para o Tocantins. Assim ocorreu nas duas últimas gestões, de Siqueira e Marcelo.
[bs-quote quote=”Uma Assembleia extremamente subserviente ao Executivo não é boa para a democracia e para o desenvolvimento do Estado. No entanto, um Legislativo rebelde por conta de interesses menores é tão nefasto quanto” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Nem sempre se deu dessa forma. O ex-governador Siqueira Campos sempre foi muito duro na relação com a Assembleia até seu terceiro mandato (1999-2002). Parlamentares da antiga contam que Siqueira tinha não só uma base no Legislativo, mas o completo domínio sobre a pauta, sobre a decisão de quem comporia a Mesa Diretora e, volta e meia, dava dura no presidente, por telefone ou por “convocação” até o Palácio.
No início do primeiro governo Marcelo Miranda (2003-2006) lembro-me de uma uma rebelião dos deputados do PP. Na época já me parecia uma espécie de teste, pelo qual os deputados queriam sentir até onde podiam ir, depois dos “anos de chumbo” do siqueirismo.
Apesar de sentirem que o ambiente não era mais hostil, não puderam ir avante porque logo viria o rompimento de Marcelo com Siqueira e os deputados teriam que se fechar solidamente em torno do então governador com medo de que a derrota em 2006 significasse uma volta ao passado, na época, não tão distante. Assim, Marcelo teve uma base muito forte, que se levantava para incisiva defesa à menor crítica disparada por um siqueirista.
A gestão Gaguim (2009-2010) foi um governo do Parlamento. O governador, eleito indiretamente, era resultado de um arranjo da própria Casa, pelo qual cada deputado ganhou um “lote” da administração estadual. Assim, era interessante que permanecessem fiel ao Palácio.
Já em seu quarto mandato, Siqueira não chegou com a força que demonstrou nos governos anteriores. Os deputados estavam acostumados à relação cortês de Marcelo e a serem “sócios” da gestão, como ocorreu com Gaguim. Além disso, o Estado já mergulhava numa profunda crise, o que contribuía para enfraquecer o Palácio.
Marcelo volta para seu terceiro mandato sob o mesmo cenário de crise e de uma legislatura acostumada a outro tipo de relação com o Executivo, implantado, diga-se, por ele mesmo. Além disso, não era perfil do então governador se impor, mas de sempre optar pelo diálogo educado e respeito nas relações pessoais.
O sucesso de Carlesse no Legislativo foi interessante para o Estado. É resultado da personalidade forte do governador, que não aceita a imposição dos deputados e negocia até onde as contas públicas permitem — no caso de emendas e nomeações. Mas, ao mesmo tempo, mantém um diálogo permanente, com visitas à Assembleia e almoços no Palácio, para expor a realidade das finanças estaduais e chamar os parlamentares à responsabilidade. Claro que houve choques, alguns bem fortes, como o que ocorreu com Elenil da Penha (MDB), numa discussão com os Poderes sobre o 1% de data-base para todos.
Também contribuiu a gestão da Assembleia pelo deputado Antônio Andrade (PTB), que é moderado e soube atuar como ponto de equilíbrio na relação entre Executivo e Legislativo, conquistando o respeito do governador e de seus colegas de Parlamento.
O resultado foi aprovação de temas polêmicos, como o fim da inamovibilidade dos delegados da Polícia Civil, o congelamento das progressões, o manual da PC, a extinção da Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública (Dracma) e a criação da Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco); e a data-base de 1% com emenda feita pelos próprios deputados, a pedido do Executivo. O único ponto que os parlamentares rejeitaram foi o condicionamento da data-base de 2020 ao cumprimento da meta legal da Lei de Responsabilidade Fiscal. De resto, o que o governador Mauro Carlesse enviou conseguiu aprovar.
Claro que uma Assembleia extremamente subserviente ao Executivo não é boa para a democracia e para o desenvolvimento do Estado. No entanto, um Legislativo rebelde por conta de interesses menores de seus membros também é tão nefasto quanto.
Assim, a força do governo na Casa foi decisiva para garantir em 2019 condições para que o Executivo possa cuidar do ponto mais frágil da administração estadual, o desequilíbrio das contas públicas.
CT, Palmas, 18 de dezembro de 2019.