A jornalista Thaís Oyama, em seu excelente livro Tormenta: O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, conta que o hoje presidente foi persona non grata pela cúpula do Exército brasileiro até 2011. Isso por causa de dois desvios de sua personalidade que são consideradas inaceitáveis pelos generais: falta de disciplina e de respeito à hierarquia. Oyama resgata a controvertida história da saída de Bolsonaro dos quadros do Exército em meados dos anos 1980. Ele planejou jogar bombas nos quartéis como forma de pressionar por melhores soldos para a tropa.
Por isso, caiu em desgraça no Exército e caminhava para ser expulso. Para evitar essa que é considerada a maior desonra no meio militar, conseguiu um acordo e pediu dispensa. Foi aí que o conhecido pela tropa como “Capitão Bomba” resolveu aproveitar a fama junto à base do Exército para iniciar sua carreira política. Elegeu-se vereador em 1988 e passava o tempo lendo os jornais para descobrir militares mortos e poder enviar suas condolências à viúva. Sua única ação parlamentar. Nunca teve uma participação digna de nota em comissão nem apresentou um projeto relevante sequer.
[bs-quote quote=”Os generais brasileiros são um grupo de elevadíssima formação, em sua maioria muito equilibrados, racionais e altamente comprometidos com a Constituição Federal. Não se deixarão levar para uma aventura golpista por um ex-capitão de pouquíssima leitura, indisciplinado e com um histórico de desrespeito à hierarquia” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Dois anos depois, em 1990, ainda surfando na onda do “Capitão Bomba”, conseguiu se eleger deputado federal e ficou por 28 anos em Brasília fazendo a mesma coisa que fazia na Câmara de Vereadores: nada. Nenhum projeto relevante, nenhuma participação digna de nota em comissões, nenhuma relatoria. Absolutamente nada. Bolsonaro se destacou nesse período tão somente por declarações polêmicas, sempre em defesa da ditadura e contra a democracia.
Em quase todo esse período, o deputado não era aceito pelos generais, porque sempre foi visto por eles como alguém indisciplinado e que não respeita a hierarquia. O “Capitão Bomba” ainda fazia questão de provocá-los indo aos quartéis incendiar a tropa contra seus superiores, até o ponto em que sua presença chegou a ser proibida.
As pazes com os generais só foram possíveis quando a então presidente Dilma Rousseff criou em 2011 a Comissão da Verdade para rever os crimes cometidos na ditadura militar. Com um inimigo comum, o PT, e Bolsonaro atacando duramente a iniciativa, os oficiais cederam e passaram a ter um convívio com o parlamentar que rejeitavam aceitar como de seu meio.
Um ponto que também me chamou a atenção no livro de Oyama foi o que relata uma reunião em São Paulo de Bolsonaro com grandes empresários, durante as eleições de 2018. Uma pessoa flagrou o hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, afastado dos demais convivas, ao telefone com alguém, em que dizia sobre o seu candidato a presidente: “O cara não sabe nada, pô! É um despreparado”.
São relatos importantes para se considerar quando se fala do hoje presidente da República como se ele fosse a “pupila dos olhos” das Forças Armadas brasileiras. Muito longe disso. A relação dos generais com Bolsonaro se deu de forma absolutamente pragmática, porque ele era a única voz disponível para o enfrentamento à Comissão da Verdade de Dilma, mas oficiais de importância não dão qualquer credibilidade ao presidente da República.
Os generais brasileiros são um grupo de elevadíssima formação, em sua maioria muito equilibrados, racionais e altamente comprometidos com a Constituição Federal. Não se deixarão levar para uma aventura golpista por um ex-capitão de pouquíssima leitura, indisciplinado e com um histórico de desrespeito à hierarquia. Sempre discretos, é mais provável que eles estejam desconfortáveis por serem postos na vitrine toda semana pelas loucuras de Bolsonaro e sua seita de acéfalos e tão analfabetos funcionais quanto seu “mito”.
Na verdade, esse é o grande escudo da democracia brasileira no qual insisto desde as eleições de 2018: a maturidade de nossas instituições. Além das Forças Armadas, Parlamento, Judiciário, entidades civis e imprensa estão preparados para defender a liberdade e os direitos civis em geral. As investidas de Bolsonaro, um homem público de tendências claramente autoritárias, não vão conseguir quebrar esse bloqueio. Não tenho a menor dúvida de que contra esse vírus da ignorância e da truculência temos uma vacina altamente poderosa.
Cálculo eleitoral
Em relação à postura de Bolsonaro frente à pandemia da Covid-19, o presidente faz um evidente cálculo eleitoral. Ele sempre teve claro que sua reeleição em 2022 depende diretamente da recuperação econômica do País. Com esta crise sanitária, é pouco provável que poderá contar com isso. Há projeções de um encolhimento de até 5% ou mais do PIB em 2020. O Brasil e o mundo têm uma recessão contratada e sobre ela não haverá muito o que ser feito porque a prioridade agora é salvar vidas.
Bolsonaro deveria justamente mudar o foco eleitoral da economia para o gesto humanitário que todos os lideres mundiais estão abraçando e ser um grande defensor das medidas que visam salvar a vida dos brasileiros. Mas não. Insiste em tentar forçar uma retomada precipitada do mercado, que poderia levar o Brasil a ter um número de mortos muito maior do que terá — e olha que já não será pouco. Como resultado dessa sandice, um levantamento internacional mostrou que o brasileiro foi o único governante em todo o mundo democrático que não ganhou popularidade no enfrentamento à pandemia.
Ao contrário. Demitiu o ministro que personificava seu governo no combate à Covid, ao invés de “surfar” na onda da popularidade de Luiz Henrique Mandetta. O escritor Ruy Castro contou em sua crônica na Folha de S.Paulo desse domingo, 19, como outro presidente brasileiro soube aproveitar o bom momento de seu auxiliar no enfrentamento a epidemias. Rodrigues Alves (1902-1906) erradicou a febre amarela e a peste bubônica e, mesmo com enorme desgaste político, impôs a vacina obrigatória contra a varíola. As campanhas foram vitoriosas, lembrou Castro, e se deveu ao homem que as criou e coordenou: seu diretor-geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz, nomeado por ele. “Não havia ciúme —eles lutavam a favor da vida”, reforçou o escritor.
O presidente de hoje acha que só ele deve se destacar e não percebe que o sucesso de uma pasta de seu governo em meio à pandemia é o sucesso dele próprio. Assim, continua com seu cálculo eleitoral de que, se as pessoas voltarem agora ao trabalho, a economia poderá ser reativada e sua reeleição garantida. Aposta ele que mortos serão esquecidos, mas o desemprego continuará assombrando sua gestão. Contudo, está errado. Dependendo do tamanho da pilha de cadáveres, dificilmente Bolsonaro terminará seu mandato.
Apostou muito alto e errado. A única chance dele sair vitorioso é se a ciência estiver completamente equivocada. Caso contrário, nem seu séquito de amalucados e analfabetos funcionais poderão tirá-lo dessa enrascada em que se meteu.
CT, Palmas, 20 de abril de 2020.