Os números dos Boletins Epidemiológicos da Secretaria Estadual da Saúde deixam claro que os municípios tocantinenses que não dispõem de UTIs respondem pela maioria dos casos e mortes por Covid-19. Porém, grande parte deles não adota medidas rigorosas para impedir o avanço da doença. Afinal, se o quadro se agravar em cidades sem nem mesmo leitos clínicos apropriados, os pacientes são transferidos para os centros maiores, o que pode dar uma sensação aos gestores de que não têm com o que se preocupar.
Estão muito enganados e contribuem decisivamente para colapsar a rede de atendimento de Palmas, Araguaína, Gurupi e Augustinópolis, onde há UTIs, e ainda de cidades como Porto Nacional e Dianópolis, polos regionais que já estão atuando acima do limite.
Os dados a seguir podem ajudar a compreender melhor o cenário, considerando os números dos boletins epidemiológicos de segunda, 22, a esta quinta-feira, 25. Registramos neste curto período 3.726 novos casos de Covid-19. Deles, 42,5% se referem a Palmas, Araguaína, Gurupi e Augustinópolis, onde estão as UTIs para pacientes com a doença. Os demais novos casos, que representam 57,5% do total, são das outras 135 cidades do Tocantins.
Nesse mesmo período, confirmamos 79 mortes — 25 apenas no boletim desta quinta —, das quais 65,8% são desses 135 municípios sem UTIs. Apenas 34,2% se referem a Palmas, Araguaína, Gurupi e Augustinópolis.
Nos números acumulados desde o início da pandemia (136.020), há um ano, 50,6% dos casos são das 135 cidades sem UTIs e 49,4% de Palmas, Araguaína, Gurupi e Augustinópolis. Em mortes (total de 1.885), 41,2% dizem respeito a esses quatro centros de tratamento e 58,8% se referem a todo o resto do Estado.
Isso significa que as cidades menores, e não apenas polos como Porto, Dianópolis, Paraíso e Miracema, precisam cuidar melhor de seus cidadãos, com medidas restritivas mais duras para não sobrecarregar os municípios maiores, que estão vendo pacientes morrer e uma fila que aumenta dia a dia de doentes aguardando por leito de UTI.
A 6ª Promotoria de Justiça relatou duas mortes em Gurupi de pacientes que aguardavam leito de terapia intensiva e na lista de espera da cidade existem 20 pessoas. Em Palmas, apesar de na última semana ter sido registrado menos casos novos de Covid-19, a prefeitura afirmou que a Capital atingiu o pico de internações hospitalares pela doença: entre o dia 14 e sábado, 20, houve 278, maior número de hospitalizações desde o início da pandemia. A UPA Sul em Palmas opera acima de 100% de sua capacidade.
O governo do Tocantins colocou todo mundo em home office até a Páscoa, para reduzir o maior número possível de pessoas nas ruas. Se as prefeituras de todo o Estado aderissem a alguma medida, poderíamos deixar em casa cerca de 600 mil tocantinenses neste período, o que aliviaria demais a pressão sobre o sistema de saúde, reduziria as mortes e não sacrificaria ainda mais médicos, enfermeiros e fisioterapeutas.
É muito fácil ficar de bem com os comerciantes e igrejas locais, fingir que nada está ocorrendo e mandar os pacientes para colapsar o sistema de saúde das cidades maiores. Existem várias cidades que estão baixando medidas, como Porto, Miracema, Dianópolis, Paraíso, só para citar algumas. Mas grande parte está fora dessa batalha ou fingindo que participa do esforço do Estado, enquanto passa o trabalho duro para seus colegas prefeitos das cidades maiores, o que é uma tremenda folga e covardia.
Se cada um dos 139 municípios encarar esta pandemia com a mesma gravidade que o momento exige, muitas vidas serão salvas, o sistema vai suportar a demanda e o sacrifício não ficará apenas para alguns, como os números mostram que está ocorrendo.
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Post Scriptum
Coadjuvante da pandemia — A reunião de Poderes nessa quarta-feira, 24, mostrou que o presidente Jair Bolsonaro virou o grande coadjuvante da luta do País contra a Covid-19. De tanto se colocar contra a ciência, de sabotar os esforços de governadores e prefeitos e até receitar remédios que não servem para a doença, perdeu a autoridade para falar em união nacional. Principalmente depois de ir à TV na terça-feira, 23, à noite mentir deslavadamente, se postar falsamente como eterno defensor da vacina. Foi desmentido por suas declarações devidamente gravadas.
Mortes evitáveis — Ultrapassamos o trágico número de 300 mil mortos. Grande parte dessas perdas seria totalmente evitável se tivéssemos um presidente da República comprometido com a ciência, não se aliasse à Covid-19 e dela fizesse cabo eleitoral. Nossos sentimentos a cada família enlutada. A dor é de todo o País.
Puxão de orelhas oportuno — Apesar sua característica oratória exaltada, o puxão de orelhas do vereador Mauro Lacerda (PSB) na presidente da Câmara de Palmas, Janad Valcari (Podemos), e no líder do governo, Rogério Freitas (MDB), foi muito oportuno. O Legislativo, apesar das diferenças entre seus membros, precisa manter o nível elevado. E está muito baixo.
CPI enterrada — O anúncio do prefeito de Colinas do Tocantins, Josemar Casarin (PSL), de que passou a ter o apoio de 7 dos 13 vereadores derrubou de vez a tentativa da oposição de fazer andar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar se o Executivo descumpriu o Plano Nacional de Imunização (PNI) no que diz respeito à aplicação das vacinas contra a Covid-19.
5 mil mortes/dia — O professor Carlos Machado, coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz, é um especialista em grandes desastres na área da saúde. Ele avisou em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo que, sem um lockdown de pelo menos 14 dias, imediatamente e de forma coordenada por todas as esferas, chegaremos facilmente a 5 mil mortes/dia até o fim de abril.
CT, Palmas, 25 de março de 2021.