A interrupção de mandatos sempre foi uma grande tragédia para o Tocantins, e uma das duas principais causas de termos chegado ao fundo do poço fiscal — a outra razão foi o instituto da reeleição, uma chaga que o Brasil precisa destruir.
Essa tragédia, numa perspectiva de futuro, se dá menos por conta do gestor afastado, que renunciou ou foi cassado, e mais pelas dificuldades impostas ao que entra e das tentações que são oferecidas a ele. Parafraseando trecho da passagem de Jesus tentado no deserto, os grupos de pressão mostram ao governador temporário todas as bençãos eleitorais que terá caso ceda aos benefícios e favores mais diversos e prejudiciais ao Estado, e dizem: “Todos os votos te daremos se assinardes este ato e conceder o que ora pleiteamos”.
Como nunca não eram santos os que estavam no mandato tampão, cederam aos apelos fiscalmente “satânicos” e a capacidade de investimento do Tocantins desidratou ao absurdo, na mesma proporção em que as suas despesas se projetaram à estratosfera. Pior que os lobistas empresariais, corporativos e outros não cumpriram sua parte do pacto, e os gestores efêmeros foram deixados a sorte, derrotados.
Na verdade, ao ceder a essas pressões para garantir benefícios em troca de apoios eleitorais e recursos para a campanha, o gestor tampão visava um atalho para dar falsa sensação de que a máquina foi azeitada do dia para a noite. A mensagem que tentam passar à sociedade é: “O novo governo é tão bom que já está fazendo o que aquele que saiu não dava conta”.
O que, óbvio, não é verdade porque não existe passe de mágica. Se era possível fazer, se dá popularidade e votos, por que o anterior não fez? Não gosta de povo, de popularidade e votos? Ou o que o gestor tampão está fazendo é tomar o caminho mais fácil, cujo fim é um abismo? Sinceramente, fico com esta segunda possibilidade.
Em casos concretos de gestões altamente bem-sucedidas, as conquistas não surgem assim no balançar da varinha do mágico. Vejam exemplos legitimamente tocantinenses, de dois grandes ex-prefeitos: Ronaldo Dimas (PL), de Araguaína, e Laurez Moreira (PDT), de Gurupi. Ambos pegaram uma situação de terra arrasada e no início passaram por crises junto a servidores e à sociedade, que, claro, queriam resultados imediatos. Contudo, foram necessários pelo menos dois anos de muito trabalho e planejamento para azeitarem a máquina e fazerem um mandato de enormes realizações e profundas transformações. Inclusive, diga-se, enfrentaram obstáculos gigantescos na suas reeleições, mas conseguiram convencer seus munícipes de que o projeto era bom, de que estavam no caminho certo, apesar de mais longo. A população, sabiamente, entendeu, renovou o mandato deles, e está aí para quem quiser ver: Araguaína e Gurupi se tornaram referência de gestão.
Estamos falando de dois mandatos iniciados e concluídos em longos oito anos. Imagine, então, uma gestão provisória, que surgiu de uma hora para a outra, pegando a todos de surpresa e, para piorar, em ano eleitoral. Neste caso do Estado, muda-se a relação com a Assembleia, cujos parlamentares correm em busca da reeleição, e também com os demais Poderes e órgãos, como TCE e MPE, que, vacinados, sobretudo pela forma como o governo Mauro Carlesse (Agir) caiu, tendem a ser menos flexíveis e mais desconfiados das medidas que vão sendo tomadas. E com razão, diga-se. Ainda tem a oposição mais aguerrida, porque a máquina faz a diferença e é preciso desacreditá-la.
O desafio à frente do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), como foi o dos outros ex-gestores tampões, é de tentar se manter firme diante das pressões para que ceda aos caminhos mais curtos, largos e fáceis. Além dos lobbies e corporações, que todo dia vendem “facilidades”, de parlamentares que veem o bom momento para meter a faca na garganta aos moldes do “dá ou desce”, de órgãos de controle desconfiados e da oposição disparando incessantemente, ainda existe a população que reclama — com razão — das estradas desde sempre esburacadas, dos hospitais desestruturados e por aí vai. Por fim, vem as restrições que passam a vigorar e se impõem a partir de agora pela legislação eleitoral.
Ou seja, o governo não teve tempo para iniciar e concluir licitações, gasta maior parte do dia se desviando dos atalhos que lhe são oferecidos pelos “mui amigos” e dos disparos vindos dos opositores; há ações emergenciais que dependem do aceite de órgãos de controle, como o TCE, e ainda surgem as barreiras criadas pela lei eleitoral.
Tudo conspira para que Wanderlei ceda às facilidades que lhe são postas à mesa e que garantem atalhos e milhares de votos, como bônus, nas urnas em outubro. Foi assim no passado, e, como lembrei acima, resultou num fracasso eleitoral retumbante e na crise fiscal mais profunda da curta história do Tocantins.
A esperança é que Wanderlei também parafraseie o texto bíblico e responda aos tentadores: “Vai-te, satanás, porque está escrito: Ao senhor cidadão adorarás e só a ele servirás”.
Pelo bem do jovem e sofrido Tocantins, que todos os anjos digam amém!
CT, Palmas, 2 de maio de 2022.