O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, que conhece bem as Forças Armadas, garantiu à imprensa na noite dessa quinta-feira, 3, que elas não se insurgirão contra a democracia. É o que esperamos. Que não se dobrem a um homem irresponsável, a um mau militar, como o presidente Jair Bolsonaro, que deixou o Exército com desonra. Recomendo a quem tenha dúvida disso que leia o excelente O cadete e o capitão, do saudoso Luiz Maklouf Carvalho, que, infelizmente, nos deixou recentemente. A obra se baseia em documentos sobre o histórico militar e o julgamento de Bolsonaro.
Quando deixou o Exército, desonrado, o capitão buscou na política uma forma de levar a vida tranquila que sempre quis. Nunca fez nada como vereador ou deputado federal. Não tem um projeto, uma relatoria de sua lavra, uma participação relevante sequer em qualquer comissão. Soube fazer a fama junto a fanáticos iletrados e analfabetos políticos com frasismo, atacando minorias e enaltecendo ditaduras e seus monstros, como o covarde Brilhante Ustra e o infame chileno Augusto Pinochet.
Na política, o futuro presidente passou a tentar insuflar os quartéis à indisciplina. Por isso, se tornou person no grata para os oficiais graduados e sua presença em meio à corporação foi vetada por muitos anos.
Por isso, a conclusão que tiro da vitória de Bolsonaro na pressão que fez contra a punição ao general Eduardo Pazuello é que o capitão alcançou o que sempre quis: se vingar do Exército, do qual teve que dar baixa para não ser expulso, acusado de organizar uma série de explosões em quartéis do Rio nos anos 1980.
Para quem é fã e defende a volta ditadura militar — claro, até ser preso por desordem, aí clama por democracia —, avoco uma testemunha inquestionável do desempenho de Bolsonaro no Exército, o ex-presidente ditador Ernesto Geisel. “Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”, disse Geisel em entrevista em 1993.
A reaproximação de Bolsonaro com o generalato só ocorreu em 2011, quando a então presidente Dilma Rousseff instituiu a Comissão da Verdade para investigar as violações de direitos humanos durante a ditadura, contra a posição da alta cúpula das Forças Armadas. A partir daí, o então deputado federal de baixíssimo clero voltou a frequentar os quartéis.
Eleito presidente, Bolsonaro humilhou diversas vezes os generais. O próprio Pazuello, quando ministro da Saúde, teve que recuar depois de assinar acordo de compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Capacho ao extremo, chegou a dizer, ao lado do capitão desonrado, que “um manda e outro obedece”. General Santos Cruz e vários outros altos membros respeitados pelas Forças Armadas, ainda que na reserva, não foram poupados.
Contudo, todos eles se submeteram ao “chavismo à direita”. Como Hugo Chávez na Venezuela, Bolsonaro também cooptou militares graduados. A última mexida no teto, que garantiu salários irreais aos generais do governo — como diz o professor Marco Antônio Villa, o “centrão do Exército” —, é uma evidência mais clara desse processo. Além disso, protegeu a corporação das alterações impostas pela Reforma da Previdência e deu maior orçamento às Forças Armadas.
Em todos esses movimentos de humilhação e cooptação, ficou claro que Bolsonaro expôs principalmente o Exército a todo o País, sobretudo agora ao pressionar para impedir qualquer punição a Pazuello, no que foi prontamente obedecido. Ao jogar na lata de lixo seu regulamento e permitir que prevalecesse uma ordem meramente política, a impressão que os generais de quatro estrelas deixaram é que o presidente tem razão quando se refere a “meu Exército”. O mau militar obstinado foi bem-sucedido numa vingança que planejou por mais de 30 anos, a humilhação do Exército brasileiro. A instituição de Caxias está de joelhos diante de um capitão desonrado.
A nós, resta a apreensão de que as Forças Armadas possam estar realmente subordinadas a um projeto político-partidário, não mais ao Estado Brasileiro.
Sou defensor contumaz da democracia. Se o poder é exercido à direita ou à esquerda é algo circunstancial e deve ser respeitado, desde que haja compromisso democrático sólido. No momento, o que vemos é o poder exercido por uma extrema-direita de claras aptidões fascistas. É preocupante.
Sempre acreditei que nossas instituições – ainda mais o Exército, que conhece muito bem seu mau militar – protegeriam a democracia contra as investidas de um golpista como Bolsonaro.
Hoje, admito, temo ter me enganado redondamente.
CT, Palmas, 4 de maio de 2021.