Importante a recomendação administrativa dos Ministérios Públicos do Tocantins (MPE), Federal (MPF) e do Trabalho (MPT) para que o secretário estadual da Saúde, Edgar Tolini, regularize, imediatamente, a realização de testes para a Covid-19 no Laboratório Central do Estado (Lacen-TO). Para isso, é preciso que o Palácio Araguaia mexa todas as suas forças políticas, inclusive a bancada federal, na qual o Estado conta com uma figura ilustre da República, o senador Eduardo Gomes (MDB), líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso e que tem sido peça fundamental para o Tocantins nesta pandemia.
O que não é possível é o Estado seguir indefinidamente nesta falta de condição de realizar testes, sem os quais não é possível tomar qualquer decisão sobre os caminhos a se seguir para vencer o novo coronavírus. Neste contexto que fica ainda mais absurda a liberação da economia, sobretudo nos municípios mais castigados pela Covid-19. Qual o critério para essa abertura? Técnico? Não foi. Já fazíamos poucos testes, antes mesmo desta crise nacional de insumos.
Na base da marketagem que tem marcado esse combate ao novo coronavírus, gestores usam o estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (RS), denominado Epicovid19-BR, com dados coletados pelo Ibope Inteligência, que resultou em zero caso confirmado para Covid-19 entre as 731 pessoas sorteadas para a pesquisa, em maio, em Palmas, Araguaína e Gurupi.
Assim, entendeu-se que não há subnotificação do novo coronavírus no Tocantins. Conclusão, obviamente, absurda. Se é o que nos parece — para nós, os leigos —, imagine para os especialistas. O médico Estevam Rivello, conselheiro federal de Medicina, também não botou fé nesse resultado e disse à Coluna do CT que o universo estudado não representa todo o Estado. Não dá para falar em pesquisa de Covid-19 por essas bandas e ignorar o Bico do Papagaio, onde a situação é tão crítica quanto em Araguaína.
A falta de testes é um dos graves problemas enfrentados pelo Tocantins nesta crise pandêmica. A testagem integra o tripé fundamental para o combate à doença. Os outros dois pontos fundamentais dessa guerra são a ampliação da estrutura hospitalar e o isolamento social. Como se vê, neste momento o Tocantins faz um voo triplamente cego: não tem insumos para testar, a estrutura hospitalar não avançou como deveria — Araguaína mesmo, como disse o prefeito Ronaldo Dimas (Podemos), já está “no limite do limite” — e todo o comércio está absurdamente escancarado — sempre esqueço, “com restrições”.
No mundo civilizado, em que os países são conduzidos de forma séria, não se começa a sequer falar de flexibilização da quarentena sem considerar uma ampla testagem. Veja só como as coisas funcionam por aqui: testávamos pouquíssimo e decidiram afrouxar as regras; ficamos quase sem testagem e não se reviu essa reabertura do mercado. A balbúrdia em bares, shoppings e lojas continua como se nada tivesse ocorrido, como se a falta de testagem em massa não fizesse a menor diferença. De novo: nos país desenvolvidos, testar largamente é critério básico.
Outra condição para reabertura é ampla estrutura hospitalar com baixa ocupação. Aqui não temos temos uma rede dilatada e, por exemplo, lá em Araguaína, epicentro da Covid-19 no Tocantins, que precisa absorver seus doentes, os do Bico do Papagaio e até do Pará e Maranhão, a lotação já está quase completa, com 84% das UTIs ocupadas. Em Palmas, essa retaguarda é estreitíssima, como já atestou levantamento de quatro universidades federais, que concluíram que a implosão do sistema aqui é facinho, facinho, e já está com 44,23% das UTIs com pacientes.
No terceiro pé da base tripla vem o isolamento social. Desnecessário dizer que fomos um retumbante fracasso nessa seara durante a quarentena. Na primeira semana de tentativa de tirar o povo da rua, conforme o Índice de Isolamento Social, apurado pela empresa de geolocalização In Loco, chegamos a 48%. Depois oscilamos sempre na casa dos 30%: 15 de abril, 37,3%; 30 de abril, 32,1%; 21 de maio subiu um pouco e foi a 37,25%, e, na véspera da reabertura do comércio das duas maiores cidades do Estado, no dia 3 de junho, caiu de novo para 34,51%. Nessa quarta-feira, 17, estava em 33,7%.
Vejam: sem testes, estamos sem facão nem lanterna jogados numa floresta hermeticamente fechada, tateando no escuro. Sem ampla estrutura hospitalar, qualquer elevação minimamente significativa pode colapsar nosso sistema de saúde. Milhares de pessoas em bares, lojas e shoppings completam a fórmula da bomba que pode explodir a qualquer momento.
Enfim, colocamos as pessoas de volta às ruas como se tudo estivesse bem, fingindo que todos os critérios técnicos estão sendo atendidos. Isso tem um nome muito bem conhecido, que dispensa dicionário: irresponsabilidade. O pior é que lá na frente, quando o pior ocorrer, vão inventar mil e uma justificativas para fugir da culpa que têm e até vão querer terceirizar os erros que são deles. Na verdade, isso já está ocorrendo.
Mas não há como fugir dos fatos. Eles estão aí e estarei por aqui para sempre refrescar a memória de todos.
CT, Palmas, 18 de junho de 2020.