O Brasil pareceu amanhecer livre da Covid-19. Nem de longe lembrava o país onde mais se morreu vítimas da doença nessa quarta-feira, 28, superando até os Estados Unidos. Todo o foco da mídia estava nas loucuras do presidente celerado Jair Bolsonaro, que, como um Napoleão de hospício, segue firme ignorando a pandemia em seu papel amalucado de protótipo de ditador, achando que o Brasil é a Venezuela e que 2020 é 1964. Ele nos faz recordar aqueles personagens dos humorísticos televisivos do passado que, após alguma birutice, repetia para as pessoas atônitas à sua volta: “Eu não sou maluco, eu não sou maluco”.
Tirante os ataques de ódio do postulante a ditador, a mídia focou no conversê do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), falando de flexibilização da quarentena com a capital paulista ainda no pico do novo coronavírus, onde deve ficar por mais algumas semanas, infelizmente. Tudo bem que pareceu mais um embromation do prefeito para distender a pressão social sobre as medidas de isolamento.
É preciso sempre reforçar que o que parou as atividades econômicas não foram as medidas de isolamento, mas o vírus, que gira rápido, por sua enorme transmissibilidade
CLEBER TOLEDO, jornalista e editor da Coluna do CT
Só pode ser isso. Porque, apesar de não ser uma loucura a la Bolsonaro, que só se resolve com intervenção psiquiátrica, não deixa de ser uma alucinação pensar que São Paulo vai conseguir abrir tão cedo, ainda que de forma paulatina. Na Europa, conseguiram iniciar um retorno seguro um mês após saírem do pico, onde os paulistanos estão neste momento e devem ficar por sabe-se lá quantas semanas mais.
Assim, imagino mesmo que seja uma resposta à pressão dos empresários e de igrejas. Diga-se: totalmente compreensível, essa pressão, já que a vida não para — as contas chegam quase juntas com a fome, e ambas não podem ser adiadas por muito tempo.
Na vácuo de seu colega paulistano de partido, a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), convocou entrevista coletiva para as 10 horas desta sexta-feira, 29, quando vai apresentar uma proposta de retomada “consciente e gradual” dos serviços e das atividades econômicas da Capital. Nas redes sociais, a prefeita Cinthia disse que foram analisados “criteriosamente todos os relatórios do COE [Centro de Operações de Emergência] e o status epidemiológico dos últimos 60 dias”.
Isso é ótimo. Se realmente houve uma análise criteriosa, Cinthia não fará nada precipitado porque constatou que, só nesta última semana — do dia 14 a esta quinta-feira —, os casos da Covid-19 em Palmas aumentaram 136% (de 211 para 498) e o de mortes, 133,3% (de 3 para 7). Também se deparou com a estarrecedora informação de que, neste o mês, o número de registros do novo coronavírus na Capital saltou incríveis 654% (de 66 no dia 1º para 498 nesta quinta) e de mortes, 250% (de 2 para 7). Se o COE realmente analisou os dados, criteriosamente, é isso que vai encontrar e o que vai passar para a prefeita.
A progressão da Covid-19 no Tocantins é assustadora. Em 18 de março registramos nosso primeiro caso. Levamos 57 dias para chegar à casa dos mil — alcançamos 1.029 somente no dia 14 deste mês. Depois disso, vejam, chegamos à casa dos 2 mil oito dias depois (2.205 casos há uma semana, no dia 22) e ultrapassamos a marca dos 3 mil esta semana, cinco dias após a marca anterior (3.023 nessa quarta-feira).
Especialistas me disseram que junho será nosso pior mês, quando esse crescimento geométrico vai estar mais acelerado e atingiremos a triste marca de 100 mortos pela Covid-19 — estamos neste momento em 68. E isso, garantem, não é um talvez, mas uma certeza. A tragédia — em casos e mortes — pode ser muito maior, a depender do que nossos líderes decidirão. Continuarão firmes, tentando convencer a sociedade a ficar em casa, ainda que sob certas sanções, ou vão escancarar o mercado, num populismo atroz? A resposta a essa questão definirá a dimensão da doença no Estado e o tamanho das nossas perdas nas próximas semanas.
Isso não é, de forma alguma, estar alheio à outra dor, a da falta de condições de sobrevivência de empregos e empresas. Essas se aprofundam porque o socorro da União ainda está na promessa. Não chegou na ponta no volume que deveria e na hora que precisava, colocando trabalhadores e empresários em situação de desespero, elevando a pressão sobre prefeitos e governadores. Obra e graça de um presidente que não se importa com a pandemia, que nunca fala dela, a não ser para produzir fake news e mostrar indiferença.
É preciso sempre reforçar que o que parou as atividades econômicas não foram as medidas de isolamento, mas o vírus, que gira rápido, por sua enorme transmissibilidade. Empresas que insistiram em abrir tiveram que fechar quando funcionários adoeceram. E outras que forem para o tudo ou nada serão barrados por esse microorganismo terrível.
Houve quem apontasse até pouco tempo o número reduzido de casos no Estado, sem perceber que o voo não estava alto justamente porque as pessoas se isolaram. A maioria só acordou há coisa de duas semanas, quando as mortes e os casos em crescimento enorme assustaram. Outros ainda hibernam sob a falta absurda de conhecimento ou pelas teorias da conspiração, que tentam dar partido político a um vírus.
Se o confinamento fosse mais rigidamente observado, mais rapidamente poderíamos voltar ao “novo normal” da vida. Mas o nosso Índice de Isolamento Social, que foi de 48% na primeira semana, agora está quase sempre na casa dos 30%, quando precisaríamos de nos fixar entre 70% e 80%. Isso poderá arrastar a indefinição de nossas vidas por muito mais tempo do que queríamos.
O alívio de um dia que parecia que desembocaria na notícia de que a quarentena seria abandonada veio pelas informações do Palácio Araguaia de que a suspensão das aulas e a jornada de seis horas dos servidores estão sendo prorrogadas. Também pela própria prefeita Cinthia Ribeiro, que pediu nas redes sociais no início da noite desta quinta-feira que não tiremos conclusões precipitadas, e garantiu:
“Jamais abriremos mão do que conquistamos até aqui. Continuaremos na mesma linha: priorizando vidas. Apresentar um plano de retomada das atividades é necessário, por respeito a todos os seguimentos da sociedade. Aguardem e confiem!”
Aguardaremos e confiaremos convictos de que não é o momento de ceder e que Tocantins e Palmas não podem passar a economia por cima da Covid-19. Até porque hoje o vírus não é um quebra-molas, mas um muro.
CT, Palmas, 28 de maio de 2020.