O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, em cadeia de rádio e TV, na noite dessa terça-feira, 24, não deixou dúvida para quem ainda a tinha: ele não tem estatura para o cargo que ocupa. A mensagem desconexa da realidade levada a todo o País por aquele que deveria ser seu líder máximo vai contra o que diz a ciência, a Organização Mundial da Saúde (OMS), políticos mundo afora e o próprio ministro da Saúde de seu governo, Luiz Henrique Mandetta. Não foi por outro motivo a reação dos brasileiros de mínimo de bom senso à fala tresloucada. Com exceção do grupo de fanáticos, que foi o que restou de apoio ao presidente diante da total falta de destempero que demonstra dia após dia, o que se viu nas redes sociais foi a perplexidade.
[bs-quote quote=”Bolsonaro mostrou ao País que perdeu todas as condições de liderá-lo neste momento de profunda crise, quando o líder é fundamental para unir, pacificar, acalmar e dar esperança ao povo” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
O mais grave do discurso é que confunde a população com as teses conspiratórias que se tornaram prática corriqueira de Bolsonaro, seus filhos e entorno. Em tudo eles veem a mão invisível de fantasmagóricos comunistas contra o mundo ocidental, os cristãos e a dita família tradicional. Foi assim que derrubaram importantes ministros do próprio governo. Enquanto essas loucuras estavam sendo usadas na luta insana e autofágica por poder eram toleradas. Agora, quando se voltam para colocar em risco a vida de milhões de brasileiros, são irresponsáveis e criminosas, e levam a uma conclusão até óbvia: o país precisa parar seu presidente.
A fala doidivanas de Bolsonaro vai contra o esforço de todo o Brasil contra a Covid-19, o novo coronavírus. O governador do Tocantins, Mauro Carlesse (DEM), foi um dos primeiros do País a chamar a sociedade para discutir essa grave crise sanitária e a decidir por ações preventivas. No dia seguinte, a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), começou a adotar medidas drásticas, que foram se agravando nos dias seguintes e se disseminando por todo o Estado, na proporção em que as autoridades de saúde mostravam o tamanho do problema. Isso a custo humano enorme, já que os tocantinenses interromperam suas vidas para se isolar; e econômico, com a quase total paralisação da atividade econômica, que o Palácio Araguaia calcula que vai gerar um impacto de R$ 500 milhões ao erário estadual. Não será diferente nos municípios, que sofrerão impactos bruscos na receita.
Ora, empresários, que apoiaram todas as medidas, e governantes se submeteriam a tamanho sacrifício por uma “gripezinha”, sem qualquer base científica? A ciência — atenção: ciência — tem mostrado que os impactos da disseminação desse vírus só serão minimizados com o isolamento social, já que não existem remédio nem vacina. A China parou o país com um modelo de isolamento que os especialistas chamam de supressão. Ou seja, todo mundo foi obrigado a ficar recluso. Numa ditadura, isso funciona. Foi só assim que a pandemia pôde ser controlada por lá. A supressão em países democráticos é inviável e estão optando pela mitigação, ou seja, se recomenda que as pessoas fiquem em casa. Muitas e muitas não obedecerão, como já temos vistos, o que poderá estender esse período de isolamento social.
É justamente aí que esse presidente irresponsável age contra o País ao gerar dúvidas na cabeça dos brasileiros mais desinformados, que é o grupo que ainda acredita nele. Ao dizer que é uma “gripezinha” e pedir para que as pessoas deixem o isolamento, que as escolas voltem a funcionar e a atividade econômica seja retomada, Bolsonaro pode estar levando para a morte milhares de pessoas. Por isso, o que alguém já chamou de “discurso da morte” não é apenas um erro político, um ato inconsequente, mas, vindo da mais importante autoridade brasileira, é, antes de tudo, criminoso e precisa ser punido.
Bolsonaro mostrou ao País que perdeu todas as condições de liderá-lo neste momento de profunda crise, quando o líder é fundamental para unir, pacificar, acalmar e dar esperança ao povo. O presidente sem estatura provou com seu discurso desconexo que é incapaz de nos oferecer qualquer coisa parecida com isso.
Com a cadeira de presidente da República desmoralizada e sem autoridade perante a nação, os brasileiros precisam ignorá-lo e confiar em seus governadores e prefeitos, que têm tido um protagonismo gigantesco nesta pandemia, chamando para si a responsabilidade e tomando medidas duras, urgentes e necessárias, sem esperar por aquele que deveria ser o líder maior, mas se comporta como o menor de todos, como mentalmente incapaz.
A mensagem que precisa ficar clara a todo o povo brasileiro é que entre os instintos primitivos de Bolsonaro, que se cerca de irresponsáveis e lunáticos como ele, e a ciência, não tenha dúvida, acredite nessa última e saiba que o momento é muito grave e que o fim dele depende de ouvirmos as autoridades sanitárias.
Por isso, ignore o discurso da morte dessa terça-feira e fique em casa.
CT, Palmas, 25 de março de 2020.