O fracasso da pré-candidatura do ex-governador de São Paulo João Doria à Presidência da República confirmou para mim o que sempre pensei de prévias no Brasil: não funcionam. Nossa cultura política é muito diferente da americana e, por aqui, dificilmente um derrotado declararia com grandeza a vitória do outro e se engajaria na campanha daquele cujas diferenças deveriam ter sido superadas após a escolha do candidato do partido.
Isso é o que precisa imperar para que as prévias sejam bem-sucedidas: grandeza de espírito e verdadeiro e profundo apego à democracia. São virtudes ainda em construção em nossa sociedade e que se enraizaram em poucos abnegados.
Antes mesmo das prévias, eu já antevia o que se daria. A disputa entre Doria e o então governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se tornou uma espécie de luta livre, em que valia tudo para atingir o outro. Não havia só um centil de espírito democrático, republicanismo, nada disso. Aquele que deveria ser aliado de amanhã se tornou inimigo a ser destruído, massacrado.
Como o derrotado poderia se colocar no palanque do vencedor, fosse qualquer dos dois o escolhido?
Assim, as prévias do PSDB serviram para aquilo que sempre avaliei: para aprofundar as rachaduras internas do partido e dividi-lo ainda mais.
Democraticamente, o esperado era que o vencido aparecesse publicamente com o vencedor, erguessem os braços com as mãos entrelaçadas e, a partir dali, fossem vistos juntos pedindo votos para o escolhido pelos filiados como o nome do partido para a Presidência da República.
Inconformado com a derrota, Eduardo Leite já saiu conversando com outras siglas ainda de olho na principal cadeira do Palácio do Planalto. A direção nacional do PSDB nunca também se mostrou totalmente comprometida com a pré-candidatura de Doria e, ao contrário, foi se afastando cada vez mais dela.
O tiro de misericórdia no projeto natimorto do ex-governador de São Paulo foi a renúncia, no início de abril, de Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul. Ali acabou de vez a pré-candidatura de Doria, que vinha desde então agonizando. Porque, com o ato, o gaúcho disse ao País que não reconhecida a legitimidade da escolha dos militantes tucanos, materializando a falta de unidade da sigla. Nessa segunda-feira, 23, apenas desligaram os aparelhos.
Será a primeira vez desde 1989 que o PSDB não terá candidato a presidente do Brasil. O partido polarizou essa corrida com o PT de 1994 a 2014, ano em que alguns de seus principais líderes foram sendo tragados pelos escândalos nacionais. Sobretudo, depois do Plano Real – maior conquista do povo brasileiro e que vem sendo destruído nesses últimos anos, numa mistura de populismo e incompetência –, os tucanos não conseguiram mais apresentar um projeto que encantasse o País. Dessa forma, sem líderes do peso de um Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Franco Montoro, a legenda passou a se perder em lutas internas absurdamente fratricidas.
Com Doria, Leite e o atual presidente tucano, Bruno Araújo, chegou-se a cultivar a expectativa de que uma nova safra estava surgindo para resgatar a importância do PSDB do passado. Essas prévias mostraram que todos nos enganamos, e que se tratava de mais do mesmo.
Desde o naufrágio moral que sofreu a partir de 2014, o PSDB só veio perdendo a importância e o protagonismo. Na corrida presidencial de 2018 houve um último suspiro com o também ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, agora no PSB, mas o país já havia sido tomado pela onda estúpida desse populismo bipolar à direita e à esquerda, que, infelizmente, deve se repetir agora em 2022.
Uma pena. O Brasil é hoje uma nau sem rumo. E não vejo bons ventos à frente.
CT, Palmas, 24 de maio de 2022.