Olhando em retrospectiva, foi um período muito duro, mas na época não via assim. Enormes possibilidades se abriam à minha frente. Era o que pensava. Havia abandonado o curso de Economia para me dedicar ao jornalismo. A realização de um sonho, na minha visão juvenil, mas, na prática, um verdadeiro pesadelo. Na vida real, troquei dois salários mínimos do escritório de contabilidade de um hipermercado por apenas um salário, quando o piso do trabalhador brasileiro estava muito longe dos 100 dólares.
Era 1992, último ano de Collor, aquele que havia dito que mataria com apenas um tiro o dragão da inflação. Ruim de gatilho, descarregou a arma no monstro e acertou mesmo foi o povo brasileiro, que continuou pagando caro para viver e ainda teve suas reservas confiscadas. O então presidente foi o primeiro a experimentar o impeachment. Afastado no final de setembro pela Câmara, renunciou em 29 de dezembro antes de o Senado tirá-lo de vez do cargo.
[bs-quote quote=”Não me lembro o que compramos, mas nunca esquecerei a sensação de felicidade de não deixar passar em branco o primeiro Natal do Victinho” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Tudo isso se apresentava para mim com um maravilhoso mundo novo, que me envolvia e me fazia sentir a pessoa mais realizada do mundo, ainda que, aos 22 anos, recém-casado, com um filho recém-nascido, morando numa edícula velha e com uma renda de um salário mínimo. Na verdade, o recente casamento e o nascimento do primeiro filho só serviam para, no mundo perfeito em que me sentia, me fazer ainda mais feliz. A dureza da vida, o emprego precário — sem registro, diga-se — e os parcos recursos não eram motivos para infelicidade e desespero. Sonhador, ser jornalista me motivava a ver um futuro promissor que enxergava que se abria à minha frente.
A dureza do mundo real, porém, se abateu sobre mim no final de 1992, no período natalino, pelo qual sou um deslumbrado apaixonado. Sempre me remete à minha infância, cercado de tios, primos e avós, quando — claro que para nós crianças — só havia alegria. Não me tira da minha fantasia noélica o discurso de mercantilização do Natal, da superficialidade das festas, do falso espírito de bondade e outras adjetivações dos pessimistas chatos, como bem os definiu nosso saudoso Ariano Suassuna — ainda que não via que eu era o otimista tolo, na mesma conhecida frase do escritor pernambucano.
Com um salário mínimo, como garantir o presente de Natal do meu primeiro rebento? O drama tomou conta de mim nas primeiras semanas de dezembro. Para completar a renda, meu pai me deu seu ticket alimentação, sem o qual não poderíamos comer. Foi quando tive que acordar, assustado, para a dura realidade que me cercava, e, como é próprio da minha natureza, devidamente desperto pela força das circunstâncias, reagir. Enquanto pensava uma solução para o Natal do Victinho, meu primogênito, passei a procurar outro emprego. Não havia saída: precisaria deixar Maringá, no Paraná, cidade pela qual era extremamente apaixonado. Mas, a partir daquele momento, garantir condições dignas de vida à minha família recém-formada era mais importante. Liguei para jornais de toda a região, até que descobri que um deles, o Tribuna do Interior, da vizinha Campo Mourão, estava contratando. Pagava três salários mínimos. Para quem vivia com um, era dinheiro demais. Além disso, com o custo de vida muito menor de uma cidade pequena, me sobraria mais grana.
Começaria em fevereiro, e o primeiro problema — da baixíssima renda — estava resolvido. Mas havia outro mais imediato: o Natal do Victinho. Claro que ele receberia presentes dos avós e dos tios, mas como eu, um apaixonado pelo espírito das festas, deixaria passar em branco o primeiro Natal do meu filho?
A solução partiu de dona Sandra. Havíamos ganhado dois liquidificadores de presente em nosso casamento, em fevereiro. Eram idênticos: mesma marca e cor. Venderíamos um deles numa loja de usados e poderíamos, enfim, comprar o presente.
Não me lembro o que compramos, mas nunca esquecerei a sensação de felicidade de não deixar passar em branco o primeiro Natal do Victinho.
O verdadeiro milagre natalino, no entanto, foi o meu despertar para a dura realidade que me cercava. Isso fez com que me movimentasse e transformasse a vida da minha família. Assim, o presente que Papai Noel não podia deixar de entregar para aquele bebezinho tinha como missão me impactar.
E como impactou.
Feliz Natal a todos!
CT, Teodoro Sampaio (SP), 23 de dezembro de 2019.