O sectarismo que toma conta do Brasil não vai levar nos levar a lugar nenhum. As ideologias estão sendo postas acima dos interesses nacionais, numa defesa cega de posições, em que o que menos importa é o que realmente interessa ao bem comum, à coletividade. Quem pensa à esquerda, é ovacionado pelos seus e odiado pela direita; quem, ao contrário, fixa sua bandeira à direita logo é idolatrado em seu campo e ferozmente atacado pelos adversários. O conteúdo, não interessa. O que vale é avançar terrenos em direção a sabe lá o quê.
Em meio a essas preocupações que me seguem desde as eleições presidenciais, tirei o final de semana para muita leitura e acabei também assistindo um filme sobre os anos de prisão de um dos grandes nomes da política mundial do século 21, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica (Uma noite de 12 anos). Foram 12 anos de cadeia e tortura, dos quais 7 em solitária.
[bs-quote quote=”Mujica mostrou extremo senso da realidade quando perguntado se gostava da globalização. Com a sabedoria que lhe caracteriza, ele respondeu que também não gostava de suas rugas” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
No entanto, como ocorreu com outro gigante da humanidade, Nelson Mandela, Mujica não saiu da prisão tomado pelo rancor e pelo desejo de vingança. Numa entrevista que assisti logo após o filme, o ex-presidente disse que quem luta para transformar o mundo atua também em prol dos opressores. De vida simples a ponto de ser apelidado pela imprensa internacional de “o presidente mais pobre do mundo”, Mujica não é sectário ou dogmático, ainda que se diga um homem de esquerda.
Ao ser questionado sobre a esse maniqueísmo esquerda-direita, o ex-presidente definiu que o socialismo com ineficiente e o capitalismo como egoísta, no que está corretíssimo. A incapacidade do socialismo de dar solução para o fim das desigualdades — objetivo maior de sua proposta — revelou-se historicamente. Já o capitalismo, exaltando o consumismo como o deus da humanidade, produziu riqueza, mas concentrou-a em poucas mãos.
Quando olhamos para o Brasil, vemos que nossa elite é das mais egoístas do mundo. Nunca se preocupou com os pobres, com a distribuição de riquezas e com justiça social. Por isso, levou um tremendo susto quando o PT chegou ao poder em 2003 reforçando e aprimorando as políticas públicas que visavam a inclusão social, iniciadas somente na era FHC, um governo de centro já na última década do século passado. Com todas as críticas que o partido de Luiz Inácio Lula da Silva merece — e merece —, não dá para ignorar o fato de que o PT se preocupou com a redistribuição de renda. E que, de fato, conseguiu importantes avanços.
Contudo, faliu por dois motivos: primeiro, porque não se preocupou em lastrear as propostas com a realidade econômica, o que as tornavam meramente populistas. Assim que o Brasil foi arrastado pela crise mundial, os petistas insistiram na artificialidade como forma de distribuição de riquezas, empurrando o país para a irresponsabilidade fiscal e para a maior crise econômica de sua história.
O outro motivo do fracasso foi a corrupção. O PT dava migalhas ao povo de um lado, o que já era muito para quem nunca teve nada com uma elite egoísta no poder, e de outro amealhava bilhões para seus protegidos e para seus altos dirigentes. Afinal, Lula é homem de esquerda como Mujica, mas o caráter dos dois não pode ser comparado. Enquanto o ex-presidente uruguaio recusou o palácio para ficar no seu rancho humilde, rechaçou carros oficiais para dirigir seu Fusca 1987, usou os recursos que seriam para comprar um avião presidencial para adquirir um helicóptero com UTI para socorrer vítimas e renunciou a todo status que o Poder lhe garantia, o brasileiro chafurdou na corrupção, nos hotéis de luxo em viagens nababescas, na compra do “AeroLula” de R$ 150 milhões e em ternos caríssimos.
Mujica mostrou extremo senso da realidade quando perguntado se gostava da globalização. Com a sabedoria que lhe caracteriza, ele respondeu que também não gostava de suas rugas. Ou seja, não é questão de gosto ou desgosto, mas uma realidade da qual não se pode fugir. O que se deve indagar é, se a existência da globalização é inevitável, como a América Latina pode, em conjunto, tirar melhor proveito da situação? Como promover o desenvolvimento regional e corrigir as desigualdades sociais dentro dessa realidade posta e que não podemos mudar?
O que constatei nas entrevistas e depoimentos que assisti após o filme é que a política e o sofrimento que ela lhe gerou deram a Mujica maturidade para compreender que precisamos aproveitar o que há de positivo dos dois lados da moeda: do capitalismo, sua capacidade de gerar riquezas, tecnologia e desenvolvimento; e do socialismo, a preocupação com a inclusão social das camadas menos privilegiadas, com a redução das desigualdades.
A radicalização das posições é burra, aprofundará nossa crise e só servirá para garantir alternância de poder entre os que lucram com essa polarização fratricida que estamos assistindo.
Por falar nisso, perguntado sobre o Brasil, Mujica disse que nosso país está enfermo.
Certeiro, esse Pepe Mujica.
CT, Palmas, 30 de setembro de 2019.