Tributar a produção, que, não tenho dúvida, já dá acima do que pode para a sociedade, é um debate que não tem a mínima condição. O Brasil é um dos países de maior carga tributária do mundo, inclusive, um dos empecilhos para aumentar nossa competitividade. No entanto, passam à margem dessa situação as grandes fortunas e a compra de bens de luxo. No momento em que o Brasil se desespera pelos efeitos devastadores da Covid-19 na economia, aumentando o abismo de sua brutal desigualdade social, é mais do que necessário colocar essa questão na mesa.
Os 206 bilionários brasileiros detinham em 2019 mais de R$ 1,2 trilhão (quase 20% do PIB do País) e, desse total, quase metade (R$ 600 bilhões) está nas mãos de apenas 1% das famílias, que detêm 30% da renda nacional, segundo a revista Forbes. Na Europa, o imposto sobre as grandes heranças varia de 35% a 60%, nos Estados Unidos, a partir de 29%; e o no Brasil míseros 4%.
Os brasileiros abastados estão totalmente isentos de impostos sobre seus barcos, lanchas, iates, jet ski, helicópteros e jatos particulares. Veja só: o cidadão comum, pobre e lascado, paga, com sacrifício, o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de seu carrinho popular, mas os privilegiados não arcam com um centavo a mais à sociedade para poderem se divertir em lagos, rios e mares.
O Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp) disse à imprensa nacional que há um montante estimado de arrecadação de quase R$ 5 bilhões com o IPVA desses bens de luxo. Esse debate já chegou no campo eleitoral, mas nunca avançou. O presidenciável Ciro Gomes (PDT), por exemplo, defende que um tributo sobre grandes patrimônios, com alíquota moderada, poderia resultar numa arrecadação de cerca de R$ 70 bilhões anuais. Ele propõe também, com razão (porque tem muito “jeitinho” aí), um pente fino nas renúncias fiscais, que giram na casa de R$ 320 bilhões ao ano, com um corte de 20%.
O Brasil tem uma das elites mais cruéis do mundo, que promoveram, historicamente, uma das desigualdades mais perversas da humanidade. Um país com o potencial e a produção de riqueza da nossa dimensão não poderia ver no século 21 pessoas com fome, sem saúde e educação de qualidade, sem moradia e sem uma renda básica mínima — esta última não como favor de governo, como ocorre há anos, mas como política de Estado.
O crescimento avassalador da Covid-19 obriga que empresários fechem as portas e que todos fiquemos em casa por um tempo. No entanto, essa frase tão simples e até idílica esconde uma realidade atroz, que joga por terra sonhos de vida e empregos, estendendo ainda mais o fosso das desigualdades sociais brasileiras.
Nosso Congresso, se tivesse mesmo espírito público, compromisso com o País e seu futuro, deveria colocar esse tema em pauta. Nossa elite tem direito — e ninguém está negando isso — a comprar mansões, Ferraris, Porshes, lanchas, iates, jet skis e o que mais quiserem, mas precisam pagar impostos justos sobre esses bens como todo cidadão faz nos seus gastos mais módicos. É uma forma de aproveitarem a vida com o que conquistaram e, ao mesmo tempo, dar sua contribuição para um país mais igualitário e humano.
O que não podemos aceitar num momento de caos na economia e na vida do Brasil é que o país não use dos meios que tem para socorrer seu povo, salvar empregos e renda.
E é claro que essa tributação na pandemia tem que ir para além dela e se perpetuar.
CT, Palmas, 5 de março de 2021.