A corrida pelo Senado no Tocantins, este ano, terá um sabor especial. Pela primeira vez poderemos ver duas grandes mulheres do Estado duelando por uma das vagas mais importantes do espaço público, Kátia Abreu (PP) e Dorinha Seabra Rezende (União Brasil). Eleita em 2006 e reeleita em 2014, Kátia agora precisa renovar seu contrato com eleitorado para ficar mais oito anos em Brasília. Mas não será uma missão nada fácil.
Como um dos principais aliados que deram força ao então governador Marcelo Miranda (MDB) para o rompimento da União do Tocantins em 2005, Kátia travou uma luta titânica com Eduardo Siqueira Campos em 2006 para chegar ao Senado. No entanto, sob condições totalmente favoráveis: com apoio da máquina do Estado, numa conjuntura em que o Palácio conseguiu vender a ideia de que a batalha era pelo fim da era do “autoritarismo siqueirista”, apresentado como “insensível e ultrapassado” — características resumidas no inteligente slogan de Marcelo, o “humano, democrático e moderno” —; mas, sobretudo, tratava-se de uma Kátia muito querida por líderes e imprensa. Nesse contexto e com seu conhecido discurso poderoso, cativante e motivador, a então deputada fez a mudança de casa no Congresso.
Mas aí surgiu uma outra Kátia, com a mesma personalidade forte, coerente e inteligente, mas que se entregou a confrontos pessoais evitáveis e contraproducentes com as mesmas lideranças e imprensa que antes a reverenciavam. O resultado foi um desgaste crescente ao longo desses 16 anos e que passou a cobrar um enorme preço da senadora a partir de 2014, quando ela precisou voltar às urnas.
Naquelas eleições, quase perdeu para a candidatura quixotesca do então deputado federal Eduardo Gomes (PL), que foi à disputa pelo Senado sem recursos e com a chapa majoritária do Palácio contrariada — o governo queria o então deputado federal César Halum (Republicanos) para concorrer com Kátia. Porém, Gomes surpreendeu e foi derrotado numa chegada cabeça a cabeça: a senadora levou a melhor por mísero 0,87 ponto percentual.
Em 2018, candidata a governadora na suplementar, Kátia ficou na terceira colocação e, em algumas das principais cidade, atrás até do estreante e desconhecido Márlon Reis.
Além das altercações históricas em público e em privado com as mais diversas figuras públicas do Estado e das movimentações político-eleitorais que transformaram ex-aliados e admiradores em inimigos, o desgaste de Kátia deve-se, por outro lado, também à sua postura firme e coerente. Caso da fervorosa defesa que fez da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), da qual foi ministra da Agricultura e cuja gestão despertava a ojeriza dos principais cabos eleitorais e eleitores da senadora tocantinense, os grandes e médios produtores rurais.
Já Dorinha vem num crescendo ao longo dos anos. É uma das melhores deputadas da história do Estado e, ao contrário de Kátia, não é dada a conflitos. Diante deles, prefere a discrição e o silêncio, ao invés das contendas públicas. Na disputa pelo comando do DEM e depois do União Brasil que travou com o ex-governador Mauro Carlesse (Agir), por exemplo, venceu sem manifestar nenhum sinal de exasperação. No máximo notas insossas à imprensa.
Justamente para marcar este contraste entre as duas que a deputada mandou recado num evento da Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em meados de março, ao discursar: “Só quero dizer para meu Estado que continue contando com meu trabalho, com a minha determinação, com a minha presença e a minha teimosia. Sou firme, clara, falo manso, tenho educação para falar com as pessoas, mas não sou mole, sou firme”.
Nos últimos anos Dorinha se fortaleceu nas duas frentes que o parlamentar precisa cativar: no Estado, ampliando a base de líderes que a apoiam, e no cenário nacional, com efetiva participação em debates, autoria e relatoria de projetos fundamentais, sobretudo, na sua área de especialidade, a educação. Caso mais conhecido foi o do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Apesar de serem muito diferentes na forma, no conteúdo, Kátia e Dorinha apresentam pontos de contato. Ambas têm postura muito firme naquilo em que acreditam, são estudiosas e submergem profundamente nos temas a que se dedicam — se isso ficou muito claro na deputada no caso do Fundeb, com a senadora não foi diferente em seu brilhante relatório que enterrou a famigerada CPMF —; e, por essas virtudes, conseguem se destacar no cenário nacional.
As devidas abissais diferenças de personalidades entre elas podem ser vistas, em uma e outra, tanto como virtudes ou defeitos. Vale para reação instintiva e visceral e os discursos flamejantes de Kátia, como para a voz impassível e resistência tácita de Dorinha. Mas ninguém nega que são duas grandes líderes que ficarão marcadas na história do Tocantins. Se a deputada vive seu grande momento, a senadora vem demonstrando amadurecimento nos últimos anos, busca reconstruir relações e construir outras.
Das duas não há qualquer mácula que façam os tocantinenses delas se envergonharem. Vimos Dorinha na coordenação da bancada feminina na Câmara, presidindo a Comissão de Educação e sendo elogiada por oposição e situação no caso do Fundeb. Kátia enterrou a CPMF sob os aplausos geral do País, hoje preside uma das comissões mais importantes do Senado, a de Relações Exteriores; e acabou de ser indicada pelo Congresso Nacional para compor a Comissão de Transparência nas Eleições, num momento em que obscurantismo que assola o Brasil tenta colocar em xeque nosso processo eleitoral.
É certo que o eleitorado tocantinense terá uma difícil decisão pela frente. Mas se uma das duas estiver no Senado no ano que vem, o Estado, sem a menor dúvida, estará muito bem representado.
CT, Palmas, 11 de abril de 2022.