Alguns segmentos da política do Tocantins estão na expectativa de que a polarização nacional vai marcar a disputa pelos cargos estaduais nas eleições do ano que vem — governador, senador, deputado federal e deputado estadual. Historicamente, nunca houve essa contaminação e não acredito que em 2022 será diferente. Por uma razão pragmática: não é interessante para quem tem competitividade.
No plano nacional já está claro que outro Fla-Flu se avizinha, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) radicalizando mais e mais a cada dia e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com os direitos políticos restabelecidos, também incentivando a polarização. Ambos ganham com essa corda tensionada e, por isso, se retroalimentam. Não é à toa que os dois e seus seguidores alucinadamente apaixonados têm atacado qualquer possibilidade de se discutir uma terceira via. Assim, como vimos em 2018 e também em 2014, teremos um país totalmente dividido em 2022, o que é péssimo para a Nação. A única possibilidade de se evitar essa tragédia política é um impeachment no meio do caminho, o que não se descarta, a depender dos rumos da CPI da Covid do Senado. Mas nem PT e muito menos o bolsonarismo desejam isso.
Para a disputa estadual, vai prevalecer a pauta regional, como equilíbrio das contas públicas, direitos dos servidores, situação das rodovias, da economia, da saúde, da segurança, etc., o que já produz tribulações suficientes para o governante, no caso da exposição dos desacertos ao longo do mandato, e para aqueles que buscam o voto dos descontentes, quando se joga luz sobre os pontos positivos de quem ocupa o Palácio Araguaia. Para que importar para essa rinha já tão penosa as diatribes de Bolsonaro e Lula?
No plano regional, nenhum candidato competitivo (frisa-se), racional, pragmático visa o voto só dos lulistas ou só dos bolsonaristas. Ao contrário. Todos querem passar ao largo do campo da paixão antilógica e focar em superar as dificuldades locais para se eleger, que, como se disse, já são muitas.
Quando um candidato a qualquer cargo se alista a uma das fileiras ideológicas e passionais está dizendo que não quer o voto do outro campo político. Por que raios um concorrente competitivo, com todas as chances de se eleger, vai desprezar uma massa tão significativa de votos — de qualquer um dos lados —, considerando que, nesse Fla-Flu, o eleitorado estará dividido em partes quase iguais?
Todas as eleições nacionais, desde a primeira vitória de Lula, em 2002, foram muito polarizadas e esse processo que tem por base a paixão, não a razão, vem num crescendo desde lá. Em 2006, com Lula x Geraldo Alckmin (PSDB); em 2010, com Dilma Rousseff (PT) x José Serra (PSDB); em 2014, com Dilma x Aécio Neves (PSDB); e, em 2018, com Bolsonaro x Fernando Haddad (PT).
Como alguém que cobriu todas essas eleições no Tocantins, digo sem medo de errar: em nenhuma delas, a disputa nacional pautou a estadual. Sempre — sem nenhuma exceção — ocorreu o seguinte: os candidatos, de ambas as trincheiras, digladiavam no primeiro turno com foco totalmente fechado nas idiossincrasias regionais. Só então cada um montava um palanque nacional para o segundo turno, preocupado em mostrar serviço para o candidato a presidente, para depois da vitória apresentar a fatura em Brasília e ocupar o máximo de cargos possível na estrutura federal.
Essa é a lógica que sempre prevaleceu. Inclusive, em 2018, tivemos problemas porque os bolsonaristas-raiz (leia-se: sem qualquer competitividade, como mostraram os resultados daquelas eleições) não queriam aceitar políticos pragmáticos no palanque do então candidato a presidente pelo PSL, justamente porque não defenderam Bolsonaro no primeiro turno. Convenientemente, o ignoraram. O próprio governador reeleito do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL), evitou se posicionar, mesmo no segundo turno. Por isso, houve um clima muito tenso em Palmas num evento de campanha com a presença do então senador Magno Malta (PL). Os apaixonados pelo capitão não quiseram de jeito nenhum os deputados reeleitos Eli Borges (SD) e Vicentinho Júnior (PL) na mesa de honra e que discursassem. Porque não defenderam a candidatura de Bolsonaro ao longo de todo o primeiro turno.
Trazer a polarização para o campo de batalha estadual só interessa a quem não tem competitividade. Por não possuir luz própria, necessita de abrigo sob o escudo de quem tem luminosidade, para, a partir disso, tentar mostrar ao eleitor que, com a sua vitória, vai dar mais força à estrela maior no Poder e, em compensação, carreará recursos infindáveis ao Estado.
Até hoje, mesmo numa polarização extrema como em 2014 e 2018, isso nunca funcionou.
CT, Palmas, 27 de julho de 2021.