Nessa segunda-feira, 9, foi comemorado o Dia Internacional Contra a Corrupção, uma chaga mundial que no Brasil tem contornos mais drásticos. Vimos a era PT transformar o País num farto campo de faturamento ilícito. No entanto, seria injusto atribuir apenas ao partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o gosto pelo dinheiro fácil que brota das estatais e empreiteiras. Várias outras agremiações também se lambuzaram nos anos petistas e nos anteriores. Porém, é claro que a corrupção é um fenômeno cultural, e que remonta até o descobrimento.
A historiadora Denise Moura explicou anos atrás ao site da BBC que, quando Portugal começou a colonização, a coroa não queria abrir mão do Brasil, mas também não estava disposta a viver aqui. Então, delegou a outras pessoas a função de ocupar a terra e de organizar as instituições da colônia. “Só que como convencer um fidalgo português a vir para cá sem lhe oferecer vantagens? A coroa então era permissiva, deixava que trabalhassem aqui sem vigilância. Se não, ninguém viria”, contou a historiadora.
[bs-quote quote=”O que torna a política atrativa é que é um grande negócio para todos os lados envolvidos. O acesso ao poder é fonte de produção de dinheiro para a construção de patrimônio” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Assim, no Brasil colônia, disse Denise Moura à BBC, como hoje, a corrupção permeava diversos níveis do funcionalismo público. Conforme a pesquisadora, atingia desde o governador, passando por ouvidores, tabeliães e oficiais de justiça, chegando até o funcionário mais baixo da Câmara, que era uma espécie de fiscal de assuntos cotidiano. A historiadora contou que documentos mostram servidor mais raso protegendo ou favorecendo um vendedor mediante propina.
A corrupção, portanto, é parte da cultura nacional, e mais evidente na vida pública, mas não circunscrita exclusivamente a seus agentes. Nesses quase 30 anos de cobertura política sempre procurei compreender esse fenômeno com leitura e com os fatos que eu e outros veículos regionais e nacionais divulgamos.
O que torna a política atrativa é que é um grande negócio para todos os lados envolvidos. O acesso ao poder é fonte de produção de dinheiro para a construção de patrimônio. Enquanto um cidadão comum muito raramente teve em sua conta R$ 10 mil, no setor público as quantias são vultuosas, aos milhões de reais. Num contrato da Petrobras na casa dos bilhões, R$ 10 milhões significam muito pouco.
Essa história de servir a comunidade, ajudar as pessoas, são meras balelas construídas para conseguir voto, sem o qual não se obtém mandato, o elixir do dinheiro fácil e farto. Em quatro anos num parlamento ou no executivo, o céu é o limite. Imagine oito, no caso do Senado?
Tráfico de influência, comissão por pareceres, venda de Medida Provisória, como se viu no governo Lula, para beneficiar setores economicamente poderosos; entre mil e uma manobras mais diversas e absurdamente criativas, garantem a canalização de muito dinheiro do contribuinte para as contas dos agentes.
Contudo, como foi dito acima, é hipocrisia atribuir a corrupção apenas à classe política. É onde é mais visível sobretudo nos últimos pela cobertura intensa da grande mídia. Porém, é o cancro mais bem entranhado na sociedade brasileira, em total metástase. Os exemplos vão da gorjeta para o guarda relevar uma traquinagem no trânsito, à venda do voto, ao apoio interesseiro a candidato num processo eleitoral — uma espécie de “corrupção a prazo”.
Essa última modalidade é uma das que mais chamam a atenção, e típica de classe média, que tem mais acesso às esferas do poder. O sujeito vai para as redes sociais de forma insana, incivilizada, totalmente selvagem, defender o candidato, que, para ele, é o símbolo da honestidade, do desenvolvimentismo, da humanidade, e outras platitudes do tipo. Ataca qualquer um que ouse a mínima crítica a seu iluminado. Claro, por trás dessa devoção, dessa veneração, dessa verdadeira adoração, sempre há uma promessa de emprego público com alto salário e pouco trabalho, ou de serviço à sua empresa saltando sobre a Lei 8.666. Assim, qualquer um que critica Sua Santidade é um perigo, pois pode colocar em risco as facilidades prometidas para o caso de vitória.
Passada a eleição, da mesma forma como ele tentava enganar as pessoas vendendo um falso “salvador da pátria” para conseguir votos e o emprego ou contratação da empresa, descobre que também foi ludibriado pela sua projeção de santidade. Depois da vitória nas urnas, costuma fazer os rapapés para que seu venerado o veja sempre por perto, e continua com as mesuras até a posse.
Passa-se a posse e nada acontece. Em pouco tempo não é mais recebido no gabinete. Mais umas semanas, as ligações não são mais atendidas. Do outro lado, a família, que já tinha certeza de que tempos de bonança chegariam, começa a cobrar. Não vai muito e o ex-bajulador se torna um opositor raivoso.
Assisti essa mesma novela não sei quantas mil vezes nessas quase três décadas. E se repetirá em 2020, em 2022, em 2024, em 2026, etc.
No fundo de todos esses fenômenos está a forma como a política é compreendida e praticada pelos diversos agentes. Um mero negócio. Ganha-se dinheiro no exercício do mandato, na bajulação em troca de emprego fácil ou de serviço para a empresa e ainda na venda do voto. A última preocupação, de fato, é com o futuro do Brasil.
A pior constatação é que romper com essa cultura em metástase não é fácil. É preciso investir muito em educação cívica —só em falar nisso setores diversos se repugnam – e que se passem muitas gerações.
Esta que está aí é caso perdido.
CT, Palmas, 10 de dezembro de 2019.