Foram muitos os relatos que li nas redes sociais e que recebi de amigos sobre a reestreia da noite palmense. Pelo decreto da prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), bares, restaurantes, academias e shopping centers puderam retomar a vida nessa segunda-feira, 15. Claro, sempre é preciso reforçar, burocraticamente como está no decreto: “com restrições”. A reabertura não ocorre porque a Covid-19 é algo superado, mas mesmo com a doença rondando suas vítimas como um fantasma.
O palmense mostrou que estava louco para encher os bares em enormes rodas de amigos para contar as histórias engraçadas da quarentena, distrair a cabeça e jogar conversa fora. Não que isso não vinha sendo feito, mas era às escondidas dentro das casas. Em bares e restaurantes, voltou a ser permitido agora. Quase ninguém, pelo jeito, perdeu tempo e a “tchurma” quis tirar o atraso da boa boemia já na primeira noite de liberação.
Convenhamos que tomar umas e mais outras com um acessório inconveniente como a máscara é totalmente descabido. Todo minuto ter que erguer a parte inferior do pano para ingerir o “precioso líquido” é algo mais desconfortável do que correr com a máscara tentando tragar o ar em doses cavalares para os pulmões darem conta da missão. Assim, claro, melhor sem ela, a máscara.
O problema é que, à mesa, a distância entre os amigos é bem pequena, e, com as goladas de cerveja, uísque ou seja lá o que regue a boa e prazerosa conversa, os perdigotos ganham impulsão para ir mais longe.
De sua parte, a política dos bares é não atrapalhar as poucas horas de deleite de seus clientes, ainda mais sabendo que se trata de um encontro que não ocorria há mais de 60 dias e que, por isso, os frequentadores não estão nem um pouco preocupados com a conta do fim dessa noite histórica. Para quem ficou com o caixa numa secura só por mais de dois meses, é impensável reclamar de uma bobagem como máscara e outros cuidados comezinhos diante do que essa reestreia representa ao bar e seus frequentadores.
Esse é o cenário que marcará todas as próximas noites em que o palmense vai procurar recuperar o tempo perdido, trancado em casa ou tendo que organizar reuniões furtivas de amigos. Serão de pleno relaxamento e altíssima curtição da volta da boa e velha boemia, da qual, confesso, sinto muita falta. Mesa de bar, avisa-se, não é lugar para cobrança de regras, sanitárias ou qualquer outra. É ambiente para se perder o tempo com amenidades, não com preocupação. Vírus? Que vírus?
A prefeitura não terá chato suficiente para fiscalizar todos esses estabelecimentos de profunda distração. Ou precisará colocar da própria prefeita aos office boys das secretarias nas ruas, olhando o que cada um não está fazendo — no caso, o cliente não usando máscara e o dono do estabelecimento não cobrando o acessório.
Nos últimos dias assisti entrevistas de vários renomados epidemiologistas e infectologistas e eles se mostram surpresos com o fato de o Brasil estar tratando a pandemia como já tivesse passado do pico, com mortes e ocupação de UTIs em declínio. Dois deles pelo menos observaram que alguns Estados, como São Paulo, temem uma segunda onda da Covid-19. No entanto, os especialistas lembraram suas Excelências que nenhum lugar do País superou sequer a primeira onda.
Os brasileiros sempre gostam de copiar o mundo desenvolvido, e, ao verem que lá estão reabrindo, já definem regras para fingir que tratam a questão com seriedade, dão a impressão de que o pior por aqui também é passado, e permitem que o comércio volte à atividade. Para se ter ideia, Nova York abriu no dia 8, mesma data em que Palmas acionou a primeira etapa do seu plano de descontingenciamento. No entanto, ao retomar a vida, a cidade americana já havia deixado o pico do novo coronavírus fazia, pelo menos, um mês. Detalhe: e teme uma recidiva.
Na Europa, o mesmo temor. Várias cidades tentam abrir e são obrigadas a parar tudo porque o vírus ameaça ressurgir com força. Pequim anunciou nessa segunda-feira que está fechando vários bairros da cidade porque a doença voltou, apesar do rigoroso protocolo dos chineses. Aqui em terras tocantinas ainda escalamos a montanha, mas estamos tranquilões. Afinal, como se disse num vídeo que viralizou no Estado: a Covid-19 “não se cria por aqui”, ou, em outros termos, “nóis é nóis”.
No Brasil, e também no Tocantins, nunca se fez uma quarentena séria. O pouco que tentamos impediu a Covid-19 de fazer os estragos que poderiam ocorrer se cruzássemos os braços. Porém, sem um rigor no isolamento, adiamos indefinidamente a saída da crise. Pior é que a cada tentativa dessa de reabrir o comércio sem as devidas condições sanitárias, como é o caso agora, seremos obrigados a recuar, e mais e mais vamos postergar a retomada da economia porque demoraremos muito mais para ter a sólida segurança dos países europeus, asiáticos e dos americanos para voltar aos negócios.
Com essa falta de seriedade das nossas autoridades ao lidar com a crise e do nosso povo para enxergar a gravidade do problema, estamos pondo em teste uma teoria muito antiga, a de que Deus é brasileiro.
Torço para que seja. Se não for, lascou.
CT, Palmas, 16 de junho de 2020.