Não tenho nada contra a retomada das atividades econômicas. Ao contrário, precisamos reativar a economia. Contudo, o dilema que vivemos é como fazer isso. A decisão não é só política e econômica, mas, acima de tudo, de saúde pública. As maiores autoridades nesse debate são sanitaristas, infectologistas, epidemiologistas e virologistas. Todos os que não estão sendo convidados para grande parte das reuniões para discutir a conjuntura, organizadas pelo governo do Tocantins e prefeituras. Para não dizer que não tem médico, chamam pediatra, urologista, ginecologista e outros. Menos quem deveria falar sobre o tema.
Reativar a economia agora significa intensificar a movimentação de pessoas, que vão levar a Covid-19 para passear para cima e para baixo, fazendo com que o vírus avance sobre a população. Segundo os especialistas, 80% dela não terá sintomas e será apenas transmissora. Os 20% que terão sintomas são o suficiente para encher as UTIs, colapsar o sistema de saúde e levar muita gente à morte.
[bs-quote quote=”Como verdadeiros medievais, serem absurdamente ignorantes, é como se comportaram nossas autoridades que se reuniram na noite dessa segunda-feira, 13, e tomaram decisões baseadas em dados econômicos. Exclusivamente” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Quando começar a ver os todos leitos tomados, uma fila enorme de pacientes graves esperando vaga e a pilha de cadáveres aumentando dia após dia, o governo vai ficar desesperado, mandará fechar todo o comércio novamente. Mas será tarde. O vírus fincou bandeira e tirá-lo poderá custar dezenas ou centenas de vidas que poderiam ter sido salvas se tivéssemos o bom senso agora. Não é possível voltar no tempo. A hora de decidir é agora.
Quando eu vejo o que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, com toda estrutura de saúde e força econômica deles, me bate uma agonia. O que será de nós? E o que nos faz achar que com a gente será diferente?
Alguns me dizem “ninguém sabe o que vai acontecer”. Então, é mais um motivo para mantermos a quarentena, porque, se ninguém sabe o que acontecer, tudo pode acontecer, nada ou uma tragédia. E por que temos que apostar que não vai ocorrer nada e expor a risco desnecessário a vida de milhares de trabalhadores?
Estou lendo “1348, a peste negra”, de José Martino. Na Idade Média, tínhamos uma medicina atrasada, um povo desinformado e a falta de higiene predominava nas ruas e dentro das casas. A peste matou milhões e foi embora, mas as pessoas de seu tempo não souberam a razão de terem sido dizimadas. Só depois, com a ciência evoluída, descobrimos que a pulga do rato preto levou a doença do Oriente para a Europa. Como a Covid-19 fez nos últimos meses, a peste negra entrou na Itália pela Sicília, e destruiu o país. Foi devastando a França, ultrapassou o Canal da Mancha e chegou à Inglaterra. Depois foi a vez de Alemanha, Escócia, Escandinava, Polônia, Portugal e Rússia.
O modus operandi não é diferente: uma população desprecavida é contaminada por um bicho e depois sai distribuindo a doença, que vai derrubando uma a uma de suas vítimas num verdadeiro efeito dominó. Isso foi na pandemia da peste negra, na gripe espanhola de 1918 e agora com a Covid-19.
A diferença hoje é o avanço científico. Em poucas semanas descobrimos porque estávamos sendo infectados pelo novo coronavírus e já desenvolvemos um teste para saber quem se contaminou. A ciência é nossa bússola nessa pandemia. É ela quem deve nos guiar para proteger a nossa vida e para dizer quando poderemos sair de casa e retomar a vida. E ela diz que esta não é a hora.
Ignorar a ciência nessa pandemia é ter o mesmo comportamento dos homens da Idade Média, que se valiam de receita caseira, de cheirar dejetos humanos ou da negação total como forma de enfrentar uma doença que matava em algumas horas.
Verdadeiros medievais, seres absurdamente ignorantes, é como se postaram nossas autoridades que se reuniram na noite dessa segunda-feira, 13, e tomaram decisões baseadas em dados econômicos. Exclusivamente. Podem dizer o que quiser do contrário. Não me convencem. Todos os dados da doença colocados como “desculpa” para afrouxar a quarentena não são verdadeiros. Vejam alguns:
— “Temos poucos casos no Estado”: praticamente não fazemos testes. Os infectologistas defendem que já estamos vivendo a transmissão comunitária, ou seja, a Covid-19 não vem de fora. Estamos passando a doença de um para o outro aqui mesmo. Se não temos mortos — graças a Deus por isso — e se os hospitais não estão cheios, não significa que vencemos o vírus e que ele não representa mais perigo. A subnotificação aqui é absurda.
— “Os casos estão estabilizados”: fake news! O primeiro caso foi registrado no dia 18 de março e todas as semanas são confirmados novos infectados. Ao contrário, a Covid-19 já avançou para seis municípios. Com toda a subnotificação, que é gigantesca, temos 26 casos, mas mesmo esse número inverídico representa um crescimento de 2.500%.
— “Nossa população manteve o isolamento social”: não é verdade. O Tocantins é o último colocado no Índice de Isolamento Social da empresa In Loco, que tem feito esse monitoramento em todo o País.
Temos ainda um risco enorme à nossa porta: o Tocantins faz divisa com Estados onde a situação se torna cada dia mais crítica. Na região norte, onde seis casos já estão confirmados em Araguaína, fica o Maranhão, que contabilizou até essa segunda 32 mortes por Covid-19 e já tem 478 casos confirmados. Outro vizinho do povo tocantinense, o Pará tem pelo menos 11 mortes e 236 casos confirmados, inclusive, o secretário da Saúde do Estado, Alberto Beltrame, e mais duas pessoas da equipe do governo local estão com o novo coronavírus.
O que é preciso é que governador, prefeitos, deputados, senadores somem força e cobrem do governo federal agilidade no socorro às empresas. Não será fácil. Estamos vivendo o pior momento da nossa história. Ninguém quer dourar a pílula. O remédio será amargo e muitas vezes não vai se mostrar eficaz. Teremos que reconstruir nossa economia. Como os cientistas têm repetido, a vida normal de antes dessa crise não existe e não existirá mais. Precisamos nos reinventar como sociedade, empresas e até a forma de trabalhar.
Agora, o que não é certo é ignorar o que diz a ciência, comportando-se como sociedade medieval, e mandar milhares de pessoas para a morte, sem qualquer garantia de que não serão vitimadas pela pandemia. E essa garantia ninguém pode dar, e quem afirma o contrário mente e, por isso, é um irresponsável diante do que está em jogo, vidas humanas.
Adaptando uma conhecida frase do presidente Getúlio Vargas, é um comportamento, no mínimo, obtuso dizer: “Ciência, ora a ciência”, e olhar a questão apenas do ponto de vista econômico.
CT, Palmas, 14 de abril de 2020.