A pauta da parte da sociedade que exige a abertura das atividades comerciais está totalmente equivocada. Na verdade, é suicida. Existe um monstro invisível que está à solta e fora de controle. Vai pegar quem sair de casa. Se você for contaminado pela Covid-19 e precisar de assistência, terá dificuldades. Quase não existem mais leitos clínicos disponíveis. Se precisar de UTI, então, piorou. Vai morrer, porque não existem mais vagas ou são mínimas e disputadas por muitos. Reforçando que a variante brasileira, a P.1, que está na praça, é mais agressiva, se dissemina mais, não poupa nem os mais jovens e leva mais pessoas à morte.
É por esse direito que essa parte da sociedade está indo às ruas: para que tenha a liberdade de contrair o vírus e morrer. O pior é que vai contribuir para o estresse total do sistema de saúde e levará ainda mais pessoas à morte.
Vejam só o caso de Palmas: a ocupação de leitos clínicos públicos e privados está em 83,1% e a taxa de ocupação de leitos Covid-19 de UTI públicos e privados em 89,3%. Com as centenas de casos que são confirmados diariamente, logo, logo, não terá a mínima chance de a Capital oferecer qualquer tipo de assistência. Nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), a taxa de ocupação dos leitos de estabilização é de 90,3% na UPA Norte e 100% na UPA Sul.
Confira o que diz um dos maiores cientistas brasileiros, Miguel Nicolelis, médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade de Duke, nos EUA, sobre a única forma de sairmos desta pandemia: “Vacinação, vacinação, vacinação, testagem e isolamento social”. “A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia”, avisa.
A pneumologista Margareth Dalcolmo, professora e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, garante: “Nós sabemos também que a única solução possível para controlar a pandemia será a vacinação, e a campanha está apenas no início, numa velocidade muito aquém do desejável”. E ela continua: “Seria necessário todos nós mantermos comportamentos individuais e coletivos de muito cuidado, com uso de máscara e distanciamento social. Já manifestei de que precisamos de medidas mais drásticas, com o fechamento de muitos serviços, para diminuir a circulação de pessoas e reduzir a transmissão viral”. Por fim, vaticina: “Eu não tenho dúvida de que teremos o mais triste março de nossas vidas”.
Essas falas foram em entrevistas nos últimos dias. É preciso entender que o novo coronavírus não anda pelas ruas. Somos nós que nos movimentamos e o carregamos para outras pessoas, pelo contato social. Quanto mais nos movimentamos, mais rápido o vírus se dissemina. O isolamento social puxa “o freio de mão” dessa velocidade de contaminação. Por isso, a única forma de conseguirmos evitar o colapso do sistema de saúde é pela redução do número de pessoas que adoecem simultaneamente. Para tal é preciso frear o movimento da cidade, via suspensão das atividades sociais e comerciais, de forma que haja o efetivo isolamento social.
Só assim vamos manter em níveis administráveis a ocupação de leitos clínicos e de UTIs. Com todo o comércio funcionando, igrejas e entidades, é impossível reduzir a velocidade de transmissão. É o que garantem os cientistas e eles não têm errado. Além do movimento das lojas, que ainda têm lá seu protocolo, o comércio aberto faz milhares de pessoas ocuparem as ruas, com terminais e pontos de transporte público cheios e ônibus lotados. Os ambientes externos estão fora do controle, sem protocolos.
Por isso, a pauta da sociedade deve ser outra. Os governos estadual e municipais têm que sacrificar parte de seu ajuste fiscal para garantir a sobrevivência do segmento mais frágil da sociedade, seus trabalhadores e pequenos empresários, via auxílio emergencial, como o governo federal está fazendo.
O governador do Pará, Helder barbalho (MDB), anunciou a criação de um auxílio direto de R$ 400 para trabalhadores informais, catadores, flanelinhas, feirantes e ambulantes de municípios em lockdown e também da região do Baixo Amazonas. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), vai pagar na sexta-feira, 19, R$ 600 para o setor cultural e R$ 1 mil para micro e pequenos empresários proprietários de bares e restaurantes.
O governo do Tocantins e as Prefeituras de Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraíso precisam pensar um programa nos mesmos moldes e com a máxima urgência. Falar em arrocho fiscal neste momento é tão absurdo quanto querer parar as atividades econômicas sem socorrer quem precisa.
Da mesma forma que é absurdo e suicida querer abrir o comércio, mesmo com essa ideia rasa de estender o horário de atendimento, como ficou definido numa reunião que contou apenas com empresários, sem uma única entidade médica presente. Isso tem alguma lógica?
O momento é de salvar vidas, mas, para isso, o Poder Público terá que, não só abrir mão de arrecadar, como também oferecer ajuda financeira à sua população. Haverá a eternidade para recuperar esses déficits, inclusive, já feitos no passado por motivos nada republicanos e muito menos humanitários.
CT, Palmas, 16 de março de 2021.