O leitor pode, e deve, desconfiar de frases bem construídas, de discursos empolados, da voz adocicada, de abraços aparentemente afetuosos. Mas de números e fatos, quando oficialmente avalizados e reconhecidos pela comunidade científica, não. São eles que devem orientar nosso comportamento, sobretudo se nossa luta é contra um “bicho” invisível, que nunca sabemos por onde e quando vai nos atacar.
No final de fevereiro do ano passado chegou a segunda onda da Covid-19, muito mais terrível do que a primeira, de 2020. Sob as investidas dessas águas turbulentas, a doença tragou em março 525 tocantinenses e em abril, 502. Depois a tempestade foi perdendo a impetuosidade: em maio morreram 327, em junho, 338; em julho, 296; e em agosto, 166. Quando chegamos em outubro já eram menos de 100 mortos (exatamente 88) e terminamos o ano com 23 vidas perdidas para o coronavírus.
O que ocorreu entre as 525 mortes de tocantinenses de março e as 23 de dezembro? O avanço da vacinação. Iniciamos a imunização dos tocantinenses em 20 de janeiro de 2021 e hoje ainda patinamos, com apenas 54,17% da população com o esquema vacinal completo, ou seja, as duas doses ou a dose única.
A Secretaria Estadual da Saúde divulgou esses dias que 252.788 tocantinenses não voltaram para a segunda dose. A maioria dessas pessoas — 143.329, ou 56,7% dos faltosos — adolescentes e jovens de 12 a 29 anos. Inaceitável!
A intensivista e cardiologista Ludhmila Hajjar declarou semana passada que atualmente as UTIs estão lotadas de pacientes não vacinados. Ela testemunhou: “Como intensivista, tenho visto cada vez mais pacientes internados arrependidos de não terem sido vacinados. Eles chegam com a forma grave da doença, se arrependem, porém, já é tarde”.
Para quem ainda tem dúvida, volto à questão da indubitabilidade dos números e fatos: no dia 8, o Centro de Informações e Decisões Estratégicas em Saúde – Integra Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde, divulgou que das 55 internações por Covid-19 em dezembro, 34 pacientes, ou seja, 62% dos internados, não receberam nenhuma dose de vacina.
No final de semana foi a vez do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs), da Secretaria Municipal da Saúde de Palmas (Semus), mostrar que, dos mortos por Covid-19 na Capital desde o início da vacinação, em janeiro de 2021, 75,11% — 341 de 454 vítimas do período — não tomaram a vacina. Outras 54 pessoas que faleceram em consequência da doença, ou 11,89%, tomaram apenas uma dose dos imunizantes disponíveis. Então, perfazemos um total de 87% de óbitos por falta de uma vacinação completa.
Estamos falando de uma vacina que, além de ter derrubado drasticamente o total de mortos, é gratuita. Sem esse imunizante, a mortandade no Tocantins alcançaria números impensáveis e sem precedentes em nossa história.
Então por que da resistência?
Aí temos que lembrar do saudoso Leonel Brizola, que, se vivo estivesse, teria completado 100 anos no sábado, 22: “A educação não é cara, cara mesmo é a ignorância”. Falando nela, a ignorância, vemos o movimento antivacina se entranhando na sociedade brasileira como nunca antes, aproveitando-se da politização burra do debate científico, a partir das falas e posturas irresponsáveis de um presidente indigno do cargo, Jair Bolsonaro, e da indústria de fake news dele e seus aspones, como (acredite!) o próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a quem o mestre Ruy Castro ironicamente chama de “ex-médico” e o professor Marcos Antônio Villa apelidou de “Queirodes”, a mistura de Queiroga com Herodes, o rei da Judéia que mandou matar meninos de menos de dois anos na vã tentativa de impedir a vinda do Cristo. Pelo papel vergonhoso do ministro na vacinação de crianças, diga-se, uma alcunha muito oportuna.
Isso é inacreditável para um país que sempre foi exemplo para o mundo em eficiência na vacinação, graças à qual vencemos a terrível poliomielite e também o sarampo. Até que em 2019 fomos surpreendidos por novo surto dessa última doença. E sabe o motivo? Porque deixamos de vacinar. Segundo a pediatra Ana Escobar, a cobertura vacinal caiu nestes últimos anos de 92% para 76%, índice considerado muito baixo para conter o vírus.
Ou seja, não há outra saída possível para a pandemia do coronavírus que não seja pela vacina. É preciso que os cidadãos se conscientizem e salvem suas vidas com a imunização. O empresário que não quer mais ver seu comércio de portas fechadas precisa incentivar seus funcionários a se vacinarem.
A imunização de toda a população é ainda de interesse coletivo, de saúde pública, o que, portanto, exige, sim, a interferência do Estado, como através da imposição do passaporte vacinal. “Pessoas não vacinadas são fábricas de variantes em potencial”, disse à CNN o Dr. William Schaffner, professor da Divisão de Doenças Infecciosas do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, que prosseguiu: “Quanto mais pessoas não vacinadas houver, mais oportunidades para o vírus se multiplicar. Quando isso ocorre, ele sofre mutação e pode desencadear uma mutação variante, que é ainda mais séria no futuro.”
De outro lado, explica o especialista, os vírus que não se espalham não podem sofrer mutação.
Dr. Philip Landrigan, pediatra e imunologista do Boston College, também nos Estados Unidos, reforçou, em entrevista à mesma CNN, que as populações não vacinadas dão ao vírus a oportunidade não apenas de se espalhar, mas de mudar. E avisou: “Basta uma mutação em uma pessoa”.
Ou seja, vacinar é sinal de amor à sua vida, de respeito à sua família e à sua comunidade.
Portanto, vacine-se! Não se deixe levar por conversa de “tio de zap”, negacionistas criminosos e políticos irresponsáveis como os que tomaram de assalto o Palácio do Planalto e o Ministério da Saúde, que, a cada fala do ministro e seus sequazes, vai perdendo mais e mais a credibilidade.
CT, Palmas, 24 de janeiro de 2022.