A agitação do centro de Palmas já voltou praticamente ao normal. Nos bairros não está diferente. Com a reunião com os líderes religiosos nessa terça-feira, 9, a prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB) preparou o terreno para anunciar a flexibilização também para os templos receberem seus fiéis. Um gigantesco culto já está convocado para sábado, 13, e a expectativa é de levar pelo menos 2 mil pessoas à Praça dos Girassóis. Ou seja, a Covid-19, na Capital, é considerada página virada.
Claro, por uma questão pro-forma, para os chatos como eu não ficarem azucrinando, tem um troço aí de máscara e álcool em gel que ainda precisam ser usados. Pelo menos para parecer que há alguma preocupação com a finada pandemia.
Pelos vídeos e fotos que chegam, em Araguaína a situação não é diferente. Muita gente nas ruas, filas quilométricas e grandes aglomerações, confirmando a minha tese de que regras de segurança que constam de decretos para dar alguma demonstração de cuidado são tudo para inglês ver.
O brasileiro é culturalmente indisciplinado, não dá a mínima para normas, e não é agora, num passe de mágica, que vai mudar. Dias desses, quando fazia a compra da semana, estava eu obedecendo a marca vermelha posta no chão pelo mercado para garantir a distância de 2 metros entre os clientes na fila do caixa. De repente, vem uma senhora e se enfia na minha frente. Paciente e educadamente, falei que também aguardava na fila e que ela deveria ficar na marca de trás, para que os dois não corrêssemos o risco de contaminação. “Não sabia que estava na fila. Também não precisava ficar tão longe assim”, reclamou comigo. Pensei em rebater dizendo que apenas respeitava a norma de segurança, mas sempre acho que é perda de tempo. Para o brasileiro médio, isso é “frescura”, da mesma forma que vaga de estacionamento para deficientes, idosos e gestantes, entre tantas outras civilidades. Quietei e ela seguiu de má vontade para sua marca dois metros atrás de mim.
Não é por outro motivo que sempre pontuei aqui que constar dos decreto que a liberação do comércio é “com restrições” não tem qualquer significado na nossa cultura. As pessoas só leem a primeira parte e consideram que a vida voltou ao normal. É isso que está acontecendo em Palmas, Araguaína, Gurupi, Paraíso e todas as cidades.
Por isso, não acredito que esse retorno das atividades econômicas ocorra com a segurança sanitária necessária e antevejo uma grande elevação do número de casos. Alguns me apontaram o exemplo dos japoneses, que estão conseguindo controlar as ocorrências do novo coronavírus sem quarentena rígida, como prova de que a retomada do mercado é totalmente viável sem risco de aumento exponencial de contágio.
Sem comparação. Os japoneses são absurdamente disciplinados, tem uma vivência com epidemias que torna o uso de máscaras, por exemplo, um costume por lá há décadas e possuem um respeito reverencial à hierarquia e às autoridades. Se o governante pede, a população obedece, enquanto aqui busca-se um jeitinho de burlar a norma. A começar por uma parte das igrejas, como vimos falando durante toda essa pandemia. Ou seja, entre nós, o mau exemplo começa por quem deveria dar bons exemplos. É um sonho que tivéssemos a cultura e a educação do japonês. Mas, infelizmente, há muito a caminhar até lá, muitos séculos de estrada à nossa frente. Estou certo de que um dia chegaremos. Claro, não na nossa, nem na próxima e na próxima geração.
Além de a nossa cultura nos desfavorecer neste momento em que psicologicamente consideramos a Covid-19 coisa do passado, os números são um alerta e um termômetro. Estava vendo o levantamento diário que faço de novos casos e eles mostram que conseguimos neste momento estabilizar a evolução da doença, ainda que num patamar elevado para a nossa diminuta estrutura hospitalar.
Tanto os números do Estado, quanto os de Palmas e os de Araguaína têm alguns marcos de evolução de patamar. No caso do Tocantins, eles seguiram quase sempre abaixo de 100 registros diários até por volta de 16 de maio. A partir daí começaram a se elevar bem acima dos três dígitos, alcançando picos de de 335 (29.5), 371 (30.5), 301 (5.6) e 324 (6.6), mas, no geral, têm ficado numa média pouco inferior a 200 novos casos por dia, variando de 140 a 250.
No caso de Araguaína, os grandes picos, na casa dos três dígitos, só começaram a partir de 22 de maio, quando foram confirmados 132 novos casos, mas as positivações da doença se mantiveram abaixo dos 100 na maioria dos dias, mesmo que bem acima de 50.
A Capital deu uma elevada de patamar a partir do dia 27 de maio, data em que os novos casos saltaram do pico máximo de 26 (22.5) para ficarem oscilando nas casas de 30 e 40 registros diários — coincidência ou não, ao longo do mês passado a prefeitura fez algumas concessões: liderou os ônibus para rodarem com 100% de lotação, permitiu funcionamento de feiras (que está uma baderna, em termos de protocolo de segurança), lojas de material de construção e lotéricas. O fato é que, a partir do final de maio, o número de novos casos passou a oscilar bastante, com picos de 47 (30.5), 40 (5.6), 38 (6.6) e 45 nesta quarta-feira, 10.
Se em até duas semanas — período de incubação do vírus — os números não começarem a crescer e se mantiverem estáveis nesses patamares, já será motivo para comemoração.
Afinal, vai que os cientistas se enganaram, que a contaminação não se dê por contato e que a transmissão não se acelere com a movimentação das pessoas. Vai que seja uma questão de capricho, de gosto e desgosto da Covid-19. Vai que ela não tenha gostado daqui, achado essa terra muito quente para quem veio da Ásia, ou que, ao invés de ficar grudando em corpos suados, prefira contemplar o pôr do sol na Praia da Graciosa ou a cidade do alto de algum mirante.
Quem sabe, né?
Palmas, CT, 10 de junho de 2020.