A eleição de uma mesa diretora de qualquer parlamento nunca envolve apenas seus componentes. Quem sempre está na berlinda é o Executivo, sobretudo quando se trata de meio de mandato. Lógico que ambos os lados — Legislativo e governo — vão negar de pés juntos.
É quando os recados são mandados para o governante. Os fortes bate-chapas se devem ao fato de ou não haver entendimento nas composições, uma vez que os desejos pessoais da base não foram atendidos; ou pela relação Executivo-Legislativo não ser boa ao longo do tempo; ou por uma oposição bem consolidada, o que não é o caso da Assembleia do Tocantins, em que apenas um parlamentar — Júnior Geo (Pros) — dos 24 é oposição.
Nesse sentido, a eleição histórica desta terça-feira, 7, da mesa do Legislativo estadual marca a vitória do presidente Antônio Andrade (PTB), mas também do Palácio Araguaia. No caso de Andrade, ele deu a estabilidade e a governabilidade que toda gestão busca. Sob sua condução, a Assembleia aprovou matérias muito importantes para o governo Mauro Carlesse (DEM), muitas delas polêmicas, como o Manual de Procedimentos da Polícia Civil e o congelamento de reajustes e progressões dos servidores estaduais, esta última medida fundamental para o programa de ajuste que levou o Estado a conseguir se reenquandrar à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Do ponto de vista pessoal, Andrade se mostrou extremamente habilidoso no trato com os colegas, o que esta coluna ouviu de diversas correntes da Casa ao longo desse um ano e meio. Com a confiança de seus pares, o presidente soube costurar a formação da chapa que o levou à reeleição, inclusive, na reta final das articulações, aplacando iras, convencendo outros a ceder a vaga que já haviam garantido e até relevando tentativas frustradas de pressão.
Já Carlesse provou aquilo que a coluna tem afirmado desde o ano passado, que há muitos anos não se havia na Assembleia um governo com tanto domínio da Casa como o atual. A última vez que o Palácio teve um relacionamento tão tranquilo com o Legislativo foi na gestão tampão de Carlos Gaguim, quando os deputados, na verdade, foram parte do Executivo, em que cada um era o chefete de uma secretaria, onde nomeava do comandante ao porteiro.
Depois disso, as relações foram muito tumultuadas. No quarto governo Siqueira Campos havia dificuldade até para encontrar um líder do Palácio, função que acabou recaindo sobre um suplente no exercício do mandato, já que os demais não queriam.
No último governo Marcelo Miranda, foi o próprio Palácio que aprofundou suas dificuldades com a Assembleia. Ao invés de apoiar o presidente do primeiro biênio, Osires Damaso, que garantiu razoável tranquilidade ao Executivo em 2015 e 2016, a gestão se dividiu entre ele e o hoje governador Mauro Carlesse, numa briga palaciana autofágica de poder.
Não foi novidade. Já havia ocorrido em 2007. Os caciques do marcelismo deram asa ao sonho de Gaguim de comandar o Legislativo, enquanto o então presidente César Halum havia garantido estabilidade ao Palácio nos tensos dias de embate com a União do Tocantins. Quando resolveu entrar na disputa, o governo já tinha perdido o controle da situação. Gaguim venceu o confronto mais duro da história da Assembleia — ficou em 12 a 12 após um dia inteiro de discussões e o hoje deputado federal levou por ter mais mandatos que Halum. O então governador sofreu uma dura oposição na Casa sob comando de seu ex-aliado.
Em 2016, a ala do Palácio que apoiou Carlesse descobriu depois que foi uma vitória de Pirro, aquela de altíssimo preço, ou seja, que ganhou e não levou. Assim que tomou posse, o hoje governador montou o que chamou de grupo independente e transformou a vida de Marcelo num inferno.
Com a experiência de quem esteve do outro lado do balcão, nesses primeiros 18 meses de mandato Carlesse procurou manter a base ao seu lado com um estilo nem sempre conciliador. Em alguns momentos, ele foi muito duro com os parlamentares e exigiu fidelidade de quem queria ser governo. Houve até bate-boca com deputado em solenidade com Poderes e órgãos.
Também enfrentou, como Marcelo, a insistente cobrança dos deputados para que pagasse as malditas emendas que tanto mal fazem ao planejamento e ao erário do Estado. No entanto, ao contrário do que ocorreu na gestão do emedebista, onde matérias do governo chegavam a ser prejudicadas (caso de Medidas Provisórias que deixaram vencer sem ser votadas), na administração de Carlesse a pressão não passou de reclamação de bastidores. Na hora do voto, todas as matérias do Palácio, até as mais desgastantes, foram aprovadas com amplíssima margem.
Assim, o resultado histórico dessa terça-feira, com 100% dos deputados votando em chapa única, sem uma só candidatura concorrente para nenhum dos cargos, foi construído pela habilidade do presidente Antônio Andrade em se relacionar com os colegas, ao mesmo tempo em que conquistava a confiança do Executivo ao garantir-lhe governabilidade. Ainda por um governo que soube ser duro com seus deputados, mas que também conseguiu mantê-los fieis.
CT, Palmas, 7 de julho de 2020.