O termo impeachment é, genuinamente, inglês e significa impedimento, impugnação, além de outros. Para Rui Barbosa o termo mais adequado seria “juízo político”. Em 1376, o Lord Latimer foi alvo de um processo da Câmara dos Comuns (Parlamento Inglês), o que se configurou como o primeiro processo de impeachment do mundo.
O instituto democrático impeachment é aplicado em prol da garantia dos princípios moralidade, probidade e equilíbrio de poderes na Administração Pública. Segundo a Constituição Federal Brasileira, o Presidente da República, pode ser responsabilizado penal e politicamente por crime comum (infração prevista na legislação penal) e por crime de responsabilidade (infração política prevista no rol do artigo 85 da Carta Política de 88 e regulamentada pela Lei nº 1.079/50).
Imperioso ressaltar que, segundo a Constituição Federal Brasileira, não só o Presidente da República poderá ser julgado por crime de responsabilidade, mas também o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado, os Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Advogado-Geral da União, assim como Governadores e Prefeitos.
Como se sabe, no Estado do Tocantins, o governador Mauro Carlesse (PSL) foi afastado de suas funções no dia 20 de outubro pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em apuração sobre suposto pagamento de propina relacionada ao plano de saúde dos servidores estaduais, obstrução de investigações e incorporação de recursos públicos desviados, segundo investigações da Polícia Federal.
Conforme amplamente divulgado nos veículos de comunicação tocantinense, o presidente da Assembleia Legislativa, Antônio Andrade (PSL), acolheu no início da tarde desta terça-feira, 7, o pedido de impeachment do governador afastado Mauro Carlesse (PSL) apresentado pelo advogado Evandro de Araújo de Melo Júnior, por crime de responsabilidade, devendo o governador ser cientificado imediatamente.
O pedido de impeachment pode ser formulado por qualquer cidadão, conforme dispõe o artigo 75 da Lei nº 1.079/50, conhecida como a lei do impeachment, in verbis:
“Art. 75. É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade”.
A Constituição do Estado do Tocantins em consonância com a Constituição Federal e com a Lei nº 1.079/50, elenca em seu artigo 41 que são crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentem contra as Constituições Federal e Estadual e, especialmente, contra: a existência da União; o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais dos Municípios; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança do Estado; a probidade da administração; a lei orçamentária; o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Qual será o rito do impeachment do governador do Estado do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL), acusado de crime de responsabilidade?
Pois bem, conforme anteriormente dito, o pedido de impeachment apresentado pelo advogado Evandro de Araújo Melo Júnior, foi recebida pelo Presidente da Assembleia Legislativa, Antônio Andrade (PSL), de sorte que deverá ser lida a denúncia no expediente da sessão seguinte e despachada a uma Comissão Especial Eleita, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma, nos termos do artigo 19 da Lei nº 1.079/50.
A Comissão Especial analisará a denúncia e elaborará parecer no prazo de dez dias. De acordo com o artigo 22 da Lei do Impeachment poderá a Comissão arquivar o processo e, caso contrário, remeterá cópia ao governador afastado, para que possa contestar o referido parecer.
Finda a instrução, após a resposta do governador, a Comissão Especial elaborará novo parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia, em projeto de decreto legislativo, e submeterá ao Plenário da Assembleia Legislativa do Tocantins a autorização para instauração do processo por crime de responsabilidade.
Da votação aberta em todas as votações
Segundo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 378, assentou-se que todas as votações do impeachment devem ser abertas, “de modo a permitir maior transparência, controle dos representantes e legitimidade do processo”.
Do quórum de votação
A autorização para instauração do processo por crime de responsabilidade do governador, deve ser dada pelo Plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, por dois terços de seus membros.
Do Tribunal Especial Misto
No que pese a Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins a competência de realizar o juízo político do recebimento ou não da representação, sua atuação não tem o condão de afastar o governador Mauro Carlesse ou julgar o mérito das acusações.
Nos termos do precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.628-8, relatada pelo Ex-Ministro Nelson Jobim, o governador Mauro Carlesse somente poderá ser afastado das suas funções no momento em que o Tribunal Especial Misto – ao qual compete julgá-lo por crime de responsabilidade – firmar juízo positivo quanto a admissibilidade da denúncia.
O Tribunal Especial Misto será composto por cinco deputados estaduais, mediante eleição pela Assembleia Legislativa e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Tocantins, mediante sorteio, sendo que os trabalhos serão conduzidos pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, desembargador João Rigo.
Do afastamento do governador
O processo no Tribunal Especial Misto se dará em três fases, sendo que a primeira fase será formada por uma Comissão Especial que elaborará parecer e submeterá ao Pleno do Tribunal Especial. Caso aprovado, o governador do Tocantins, Mauro Carlesse, será suspenso de suas funções, por até 180 dias, devendo portanto, o vice-governador, Wanderlei Barbosa (sem partido), assumirá a chefia do Poder Executivo Estadual.
Caso o governador Mauro Carlesse não seja julgado pelo Tribunal Especial Misto no prazo de 180 dias, cessará o afastamento do governador, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
Ressalta-se que o afastamento do governador decorrente do processo de impeachment não se confunde com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que afastou o mesmo de suas funções por 180 dias, no dia 20 de outubro, por decisão do ministro Mauro Campbell, referendada por unanimidade pela Corte Especial do STJ.
Da instrução processual e eventual procedência do processo
A segunda fase do processo no Tribunal Especial Misto se dará com a instrução probatória, sendo garantida ao governador afastado a ampla defesa, sob pena de nulidade.
Por fim, a terceira e última fase do processo de impeachment será o julgamento pelos membros do Tribunal Especial Misto, que, caso a ser declarada procedente por 2/3 de seus componentes, limitar-se-á, sem prejuízo da ação na justiça comum, à perda do cargo.
Dos efeitos de uma eventual condenação e eventual renúncia depois de iniciado o processo
Sendo decretada a condenação do governador, ele ficará desde logo destituído do respectivo cargo e inabilitado para o exercício de função pública. Na sequência, o Presidente do Tribunal Especial Misto fará nova consulta aos membros do Tribunal sobre o tempo, não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública, decisão essa que também será tomada por 2/3 dos votos dos membros do Tribunal Especial Misto, nos termos do artigo 78 da Lei 1.079, veja-se:
“Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum”.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, a renúncia do governador, depois de iniciado o processo no Tribunal Especial Misto, não paralisa o processo de impeachment, já que poderá ainda sofrer outras sanções, como a inabilitação para o exercício da função pública. (MS 21.689, rel. Min. Carlos Velloso).
Por fim, o Princípio Republicano repudia o exercício de autoridade sem responsabilidade, inseparável, esta, do conceito de democracia. Nas lições de Paulo Brossard: “(…) sem eleição não há democracia, mas sem a resposta efetiva dos eleitos a democracia não passará de forma disfarçada de autocracia” (BROSSARD, Paulo. O impeachment 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992).
THIAGO BARBOSA
Advogado licenciado, especialista em Direito Público aplicado pela EBRADI (Escola Brasileira de Direito) com ênfase em Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Direito Administrativo; possui cursos de extensão em Direito Civil, Direito Processual Civil e Advocacia Pública pelo CERS (Complexo de Ensino Renato Saraiva); Ex-Vice-Presidente da Comissão de Acesso à Justiça da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Tocantins; pós-graduando em Ciências Criminais pela Rede Masterjuris e atualmente exerce o cargo de Assessor Jurídico no Ministério Público do Estado do Tocantins.
E-mail: thiagombarbosa01@gmail.com