Com as candidaturas já definidas pelos partidos, a campanha presidencial para as eleições de outubro no Brasil podem ter como marca uma violência nunca antes vista em nível nacional, apontam especialistas consultados pela ANSA.
Atrás nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro (PL), alvo de uma facada na campanha de 2018, tem insuflado o discurso contra o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ameaça até não reconhecer o resultado das urnas.
“Claro que você teve episódios pontuais de violência em outros processos eleitorais, com morte de vereadores. Mas a gente tem um grau de diferença importante neste ano, que é o presidente da República promovendo isso, uma violência ideologicamente fundada. O que a gente vê agora é uma coisa muito mais séria: é um presidente insuflando um monte de gente para atacar e até possivelmente matar seus adversários, que viraram inimigos”, destaca o cientista político Cláudio Couto, da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV Easp), à ANSA.
O cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando também concorda que a disputa eleitoral deste ano “será provavelmente muito intensa, muito dura e não raro com episódios de violência retórica e, infelizmente, de violência física”.
“Não me espantaria nada se essa agressividade verbal e física aumentar conforme passar o tempo”, acrescenta.
Episódios que respaldam as preocupações dos especialistas não faltam. Comícios feitos por Lula e pelo PT no Rio de Janeiro e em Uberlândia tiveram ataques de drones com excrementos contra os participantes.
Além disso, o petista Marcelo Aloizio de Arruda foi morto pelo militante bolsonarista Jorge Guaranho durante uma festa de aniversário com tema do PT e de Lula. A agressor foi indiciado por homicídio duplamente qualificado: por motivo fútil “por preferências político-partidárias antagônicas” e por colocar em risco a vida de mais pessoas.
“O cenário está muito consolidado. Pode ter algumas variações, por exemplo, para uma eleição resolvida ou não no primeiro turno. A não ser, claro, se acontecer algo imprevisível e extraordinário. Caso contrário, acho que esse jogo já está dado, e apostaria em um certo derretimento das candidaturas fora da bipolarização”, ressalta Couto.
O especialista da FGV acredita que “muito eleitores vão fazer um voto estratégico, um voto útil no fim do processo, para tentar encontrar sua solução, seu ‘mal menor'”, reforçando a polarização Lula-Bolsonaro.
“A campanha será moldada pela polarização, o que significa que a gente tem dois candidatos com musculatura e vigor eleitoral: o presidente Bolsonaro, que tem a máquina estatal na mão, e o ex-presidente Lula”, concorda Prando.
Segundo a última pesquisa Datafolha, Lula aparece com 47% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 29%, Ciro Gomes (PDT), com 8%, e Simone Tebet (MDB), com 2%.
Para Couto, Ciro e Simone devem acabar passando pelo chamado processo de “cristianização”, ou seja, perder o suporte do próprio partido, que passa a apoiar uma candidatura com mais chances de vitória.
“No caso do Ciro, o abandono deve ser mais até por parte do eleitorado do que dos correligionários. Muita gente do PDT, pelo menos o que a gente pode chamar de núcleo mais duro, deve permanecer fiel a ele. Não descarto alguma cristianização, mas isso vai ficar mais para o eleitorado: ‘Pois bem, Ciro não vai, então vou optar por um candidato que tenha chance real de vencer aquele que eu acho pior’, e até por conta da posição ideológica do próprio Ciro, Lula vai ser mais favorecido”, ressalta.
“No caso da Tebet, o MDB é uma coisa muito estranha, porque um monte de gente já está do lado do Lula, um outro monte de gente está do lado do Bolsonaro. A cristianização já está ocorrendo, vai continuar ocorrendo e vai se aprofundar mais próximo à eleição”, diz o professor da FGV.
Já Prando destaca a falta de convicção do eleitorado de Ciro, o que também pode beneficiar Lula. “Estava vendo na pesquisa que 60% dos eleitores do Ciro podem mudar de ideia até o momento da eleição. O que significa isso? Que uma parte substancial do eleitorado acaba abandonando o Ciro ainda no primeiro turno para fazer voto útil no Lula. Bolsonaro tem esticado a corda, atacado as urnas e o sistema eleitoral, e muita gente talvez não pague para ver um segundo turno muito disputado”, diz.
Resultados e golpe
Os dois analistas afirmam que, apesar das ameaças, Bolsonaro não teria como dar um golpe de Estado em caso de derrota. No entanto, concordam que ele poderia não reconhecer uma vitória de Lula de maneira formal – assim como Donald Trump fez nos Estados Unidos.
“Não reconhecer e promover estardalhaço, fazer manifestação nas ruas, não tenho dúvida que isso pode acontecer. Agora, dar um golpe é outra coisa. Faltaria apoio internacional para um tipo de aventura como essa, apoio do empresariado nacional, o mercado quer tranquilidade, e não insegurança, haveria resistência por parte de setores da sociedade brasileira, inclusive resistência nas ruas, provavelmente enfrentando tanques e militares… Ou seja, seria uma encrenca na qual acredito que os militares não entrariam”, destaca Prando.
A mesma linha é adotada por Couto, que, no entanto, volta a alertar para o risco de aumento da violência em função de um eventual não reconhecimento de uma possível derrota de Bolsonaro.
“Por tudo que ele [Bolsonaro] tem feito, tudo indica que ele não reconhecerá a derrota, isso já está na conta. A questão é saber o que isso implica, e aí tem muita incerteza. Acho que entra certamente a violência política, muitos bolsonaristas inconformados vão reagir de forma violenta”, ressalta.
O cientista político ainda cogita possíveis reações pró-Bolsonaro dentro das polícias militares, uma das principais bases de apoio do presidente.
“Uma coisa que sempre me causa muito receio, desde antes de o Bolsonaro ser eleito, são as polícias militares, porque há um apoio forte ao bolsonarismo dentro das polícias. São muito preocupantes os motins que as polícias têm realizado frequentemente. Esses episódios nos mostram que a disciplina nas polícias não é lá essas coisas. Não descartaria algum tipo de motim policialesco. Algumas forças policiais nos estados estão sendo instrumentalizadas contra opositores, governadores que não são aliados, e por aí vai…”, completa.