Até 1997, aquele que conduzia veículo automotor em estado de embriaguez não praticava crime. Foi com o advento do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) que se inseriu no ordenamento penal, através do art. 306, o crime de embriaguez ao volante, sancionando o motorista embriagado com pena de detenção de até 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição do direito de dirigir.
Com o passar do tempo, foi-se percebendo uma certa complexidade para se provar a embriaguez do motorista ou se o mesmo estava em condições de dirigir. Em razão disto, a redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) sofreu duas modificações, sendo uma em 2008 (Lei nº 11.705) e outra em 2012 (Lei nº 12.760).
Agora pergunta-se: qual é o atual cenário jurídico do crime de embriaguez ao volante?
Hoje, à luz da “Nova Lei Seca” (Lei nº 12.760/12) temos o seguinte cenário: aquele que ingerir bebida alcoólica e for flagrado conduzindo veículo automotor será submetido ao procedimento estampado nos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 306 do CTB. Existem basicamente quatro formas de se demonstrar a embriaguez: (i) exame de sangue; (ii) etilômetro (bafômetro); (iii) exame clínico firmado por médico perito; ou (iv) auto de infração lavrado pela autoridade competente atestando sinais de embriaguez à luz da Resolução nº 432/13 do CONTRAN.
[bs-quote quote=”Entre o ato de beber e dirigir existe um hiato de responsabilidade em que o condutor terá o livre arbítrio de escolher uma dentre três opções: dirigir embriagado, dirigir após tempo suficiente para a metabolização do álcool, ou simplesmente ter a prudência de não dirigir” style=”default” align=”left” author_name=”FELLIPE CRIVELARO AYRES PEREIRA” author_job=”É Delegado de Polícia Civil do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/05/FellipeCrivelaro60.jpg”][/bs-quote]
Imaginemos que um motorista é parado em uma blitz. Ele é convidado a fazer o bafômetro. Se o resultado ficar igual ou acima de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar alveolar (mg/L), ao motorista será dada voz de prisão pelo crime do art. 306 do CTB, além de sofrer as sanções administrativas de recolhimento da CNH, retenção do veículo, suspensão do direito de dirigir por um ano e multa (art. 165 do CTB).
Mas e se, embora o resultado do bafômetro tenha dado igual ou acima de 0,34 mg/L, o motorista estiver em condições de dirigir? Não importa. Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o crime do art. 306 é considerado de “perigo abstrato”, o que significa que o simples fato de o teste ter resultado em valor igual ou superior a 0,34 mg/L já é o suficiente para se presumir perigosa – e consequentemente criminosa – a conduta de dirigir veículo automotor (STF, HC 109.269/MG; STJ, REsp 1.582.413/RJ).
Se o resultado ficar abaixo de 0,34 mg/L, o motorista não será preso por embriaguez, mas sofrerá as sanções administrativas acima citadas. Se o resultado ficar abaixo de 0,04 mg/L, o motorista será prontamente liberado sem qualquer sanção.
Caso ele queira exercer seu direito constitucional de não autoincriminação e se negar a assoprar o bafômetro, fazer exame de sangue ou se submeter a exame clínico por médico perito, ainda assim sua embriaguez poderá ser atestada através de auto de infração lavrado pela autoridade competente atestando sinais de embriaguez à luz da Resolução nº 432/13 do CONTRAN, como, por exemplo, odor de álcool no hálito, dificuldade no equilíbrio, olhos vermelhos, etc., que pode ser acompanhada de vídeos ou prova testemunhal.
Atestada a embriaguez via Auto de Infração, o condutor poderá, agora, ter direito a contraprova, e se valer dos testes mais invasivos – antes por ele negados – para afastar sua criminalização. Vale acrescentar que, para afastar a criminalização da embriaguez via exame de sangue, o resultado deverá ficar igual ou inferior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/L).
De toda sorte, mesmo no caso da recusa em se fazer o bafômetro ou qualquer tipo de exame, ou ainda que não haja bafômetro no local, o agente ainda assim poderá, como se viu, ter sua embriaguez atestada via Auto de Infração e, neste caso, ser preso pelo art. 306 do CTB e ainda sofrer as sanções administrativas de recolhimento da CNH, retenção do veículo, suspensão do direito de dirigir por 1 um ano e multa (Art. 165-A do CTB).
Ressalta-se que a metabolização do álcool no organismo varia de pessoa para pessoa. Ingerir uma lata de cerveja (350 ml), por exemplo, pode significar menos de 0,34 mg/L no bafômetro, o que afasta a sanção penal, mas não impede a sanção administrativa. Esta mesma lata de cerveja demora, em média, 60 minutos para ser dispensada do corpo humano, fazendo com que o bafômetro marque menos de 0,04 mg/L, e afaste ambas as sanções (penal e administrativa).
Desta forma, conclui-se que entre o ato de beber e dirigir existe um hiato de responsabilidade em que o condutor terá o livre arbítrio de escolher uma dentre três opções: dirigir embriagado, dirigir após tempo suficiente para a metabolização do álcool, ou simplesmente ter a prudência de não dirigir.
Por fim, vale a pena mencionar que houve uma recente alteração no Código de Trânsito Brasileiro perpetrada pela Lei nº 13.546/17. Agora, aquele que causar um homicídio ou lesão corporal (grave ou gravíssima) culposos no trânsito e estiver embriagado, será submetido a penas mais gravosas.
FELLIPE CRIVELARO AYRES PEREIRA
É Delegado de Polícia Civil do Tocantins, titular da Delegacia Especializada na Repressão de Furtos e Roubos de Veículos Automotores (DERFRVA) de Araguaína, e Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal
comunicacao@sindepol-to.com.br