Com frequência registro aqui que a maior crise do Brasil, e por extensão do Tocantins, não é econômica, mas de líderes. Existe um vácuo absurdo nestes tempos em que a palavra “ideologia” caiu no vazio e foi suplantada por outra, em sua conotação mais perversa: “pragmatismo”. A ideologia levava as pessoas a agir de acordo com suas convicções e princípios. No pragmatismo, a ação é por puro senso de oportunismo e conveniência.
É em meio a esse deserto de homens e mulheres de envergadura republicana, de elevado espírito público, que recebemos a lamentável notícia do desencarne do ex-presidente da Associação Tocantinense de Municípios (ATM) e ex-prefeito de Brasilândia, João Emídio, sem sombra de dúvidas, um dos maiores gestores públicos que o Tocantins já conheceu. Não chego a essa constatação por questão de amizade – minha relação com ele se dava apenas pela base da fonte-jornalista –, nem por ouvir dizer, mas pelo que fez efetivamente João Emídio ao longo de sua rica vida pública.
Conheci o então prefeito de Brasilândia por intermédio de um amigo, Jailton Bezerra. A ATM havia se tornado, por seguidas gestões, mero puxadinho do Palácio Araguaia, com contas desajustadas e credibilidade abalada junto às instituições tocantinenses. Como resultado disso, o número de prefeituras filiadas minguava. Nessa época, por volta de 2014-2015, somente cerca de 50 dos 139 municípios. Em meio a um dos editoriais que fiz a respeito, Jailtinho me ligou e disse que estava entrando na disputa pela presidência da entidade um prefeito muito sério e bom gestor. Claro, pelo retrospecto do que vinha assistindo, duvidei e o amigo ficou de vir até meu escritório com o tal candidato.
Conheci, assim, João Emídio por volta do final de 2014, na pré-campanha da eleição da ATM. Acostumado a ouvir conversa de política todos os dias há mais de 30 anos, escutei com a educação de sempre, mas sem qualquer emoção. Eleito, com o tempo começaram a chegar informações de outras fontes, de instituições como Tribunal de Contas, Ministério Público, Tribunal de Justiça e do próprio Palácio Araguaia, que alguma coisa diferente estava ocorrendo na associação de prefeitos.
As contas da entidade foram ajustadas, vieram cobranças duras contra o governo do Estado, em relação aos repasses de transporte escolar, educação, ICMS Ecológico. Movimentações em Brasília com pauta consistente com a luta municipalista. E, de repente, a ATM passou a ocupar espaço no noticiário com suas reivindicações em defesa efetiva dos municípios e a ser elogiada publicamente por autoridades diversas. No processos eleitorais, a entidade começou a ser preservada.
O interessante que tudo isso ocorreu sem que atritos internos ocupassem as páginas noticiosas. Não tenho dúvida de que João Emídio, com Jailton como secretário executivo, e toda a diretoria da ATM devem ter enfrentado obstáculos políticos enormes. Mas sem qualquer pirotecnia.
Ou seja, se de um lado o presidente da ATM era um grande gestor, por outro, ainda se revelou um excelente político. Quantos quadros assim temos disponível pelo Estado afora? Poucos.
Mas isso não foi um ponto fora da curva. A história do agrônomo João Emídio em sua pequena cidade, Brasilândia, mostra que ele apenas levou para a ATM a receita de sucesso que já havia aplicado na prefeitura, através da qual transformou o município. Tanto é que foi três vezes premiado nacionalmente pelas experiências exitosas na gestão da merenda escolar e por duas vezes recebeu o Selo Unicef Município Aprovado, em 2013 e 2016, em reconhecimento às ações que culminaram na melhoria de indicadores nas áreas de saúde (mortalidade, dengue, nutrição), educação, esporte e cidadania. Não por acaso exerceu cinco mandatos em Brasilândia, um como vice e quatro como prefeito.
Quando entregou a ATM, a entidade, com todo esse esforço de resgate da credibilidade, havia saltado dos cerca de 50 filiados para em torno de 100. Hoje soma 132 das 139. O mais importante ainda é que João Emídio fez escola. Foi sucedido por outro excelente gestor, o então prefeito de Pedro Afonso, Jairo Mariano, que aumentou o número de prefeituras filiadas e deu continuidade ao trabalho, consolidando a boa imagem conquistada pela associação nos anos de seu antecessor.
Atualmente, a ATM permanece na mesma linha de seriedade e independência iniciada por João Emídio, agora sob o comando de outra excelente revelação da política tocantinense, o prefeito de Talismã, Diogo Borges.
Como se vê, a semente plantada por um gestor competente, sério e de elevado comprometimento com o espírito público e republicano deu frutos e transformou a história de uma instituição tão importante para vida da população nos municípios, como é a ATM. Sim, porque é preciso entender esse princípio da luta municipalista: quando a prefeitura ganha protagonismo e é ouvida pelas demais instâncias de Poder, o maior beneficiado direto não é o prefeito, mas os munícipes, que tanto dependem da gestão pública local.
Ninguém entendeu melhor esse fato e o incorporou nas suas ações como João Emídio.
Obrigado, presidente.
Descanse em paz.
CT, Palmas, 9 de fevereiro de 2023.