Na minha adolescência nos anos 1980 morava em Teodoro Sampaio (SP), no Pontal do Paranapanema, o olho do furacão de disputas fundiárias, que volta e meia descambava para conflitos e muito tiroteio. Lembro-me por volta de 1983 ou 1984, enquanto jogávamos futebol, de ver mais de uma dezena de caminhões do Exército, cheio de homens fortemente armados, passando na avenida em direção às zonas das primeiras ameaças de confrontos.
Depois chegou José Rainha Júnior para liderar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região e as disputas fundiárias se intensificaram nos anos 1990. A mobilização resultou em muitas desapropriações por lá, mas também em violência. Conhecidos que se envolveram em invasões foram alvejados em tiroteio, outros passaram bem perto disso. Nessa época já trabalhava como jornalista, no jornal O Imparcial, de Presidente Prudente (SP), e cobri algumas expulsões de famílias sem-terra de fazendas. Numa delas, próximo a Presidente Venceslau (SP), mulheres e crianças tiveram que se atirar de barrancos de 5 metros de altura para fugir das balas disparadas pelos peões.
A reforma agrária naquela região mudou a vida de muita gente, mas, em muitos casos, também não foi o suficiente para segurar o homem/mulher no campo. Primeiro porque havia muitos sem-terra que não tinham qualquer vocação para a agricultura. Só queriam uma propriedade para chamar de sua. Pouco depois de recebê-las, venderam os direitos. Também não basta dar terra para alguém vocacionado. É preciso também oferecer, até permanentemente, condições de produção. Outro problema sério. Mas há muitos exemplos de sucesso. O MST, por exemplo, é responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil, segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga).
Não tenho a menor dúvida da necessidade da reforma agrária neste País em que 48,9% do total da produção nacional de grãos da safra 2022/23 é de soja! São 151,4 milhões de toneladas das 309,9 milhões de toneladas previstas. Considerando que temos 33 milhões de brasileiros com fome e muitos milhões a mais pagando caríssimo nos produtos que consome, é assustador esse dado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Reforma agrária precisa ser política de Estado da maior relevância para inclusão social e para aumentar a oferta de produtos da cesta básica.
No entanto, como democrata, nunca concordei com a invasão da propriedade privada. Com respeito à toda divergência, isso não é “liberdade”, “democracia”, mas barbárie. Não que não deva haver mobilização. Claro que ela é necessária, faz parte do Estado Democrático de Direito. Protestos pacíficos, pressão total sobre o Legislativo e Executivo para desapropriação de terras improdutivas e griladas (e têm muitas mesmo), artigos e matérias em veículos de comunicação para conquistar o apoio da opinião; panfletagem, atuação no Judiciário, etc. Mas invasão de propriedade não é a saída para essa questão numa democracia liberal.
Assim, ainda que defenda a reforma agrária e tenha enorme respeito pelos movimentos sociais que militam a seu favor, concordo com a ação do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) de colocar as forças de segurança do Estado para impedir as invasões de terras. Essa medida de Wanderlei tem três aspectos positivos: dá tranquilidade para os produtores rurais, impede que a reação termine em violência e tragédia e esses dois fatores promovem a paz no campo.
Além de que, com um governo de centro-esquerda no Poder hoje, em Brasília, acelerar as desapropriações para fim de reforma agrária se tornou possível porque, a princípio, há vontade política para isso.
Esse é o caminho mais curto e civilizado para os movimentos sociais, a mobilização sobre o Executivo, o Legislativo e até o Judiciário, sem tirar a paz do campo.
CT, Palmas, 15 de março de 2023.