As regionais de Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) emitiram uma nota conjunta para condenar a morte do indígena Lourenço Rosemar Filho de Mello, do povo Karajá, durante uma operação da Polícia Civil (PC), com a presença de representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), na aldeia Santa Isabel do Morro, localizada em Lagoa da Confusão. A entidade considerou a ação “truculenta” e lamentou os relatos de que o episódio foi presenciado publicamente, inclusive por mulheres e crianças.
Nada justifica a ação truculenta
O Cimi criticou a Funai e PC por não terem contatado qualquer liderança índigena para mediar a situação, bem como a ausência da Polícia Federal (PF), que é a responsável por garantir a segurança das aldeias. “Nada justifica a ação truculenta e de violação de direitos de toda a comunidade da aldeia Santa Isabel, que, a despeito de qualquer suposta justificativa, foi obrigada a presenciar o tratamento desumano a um de seus membros”, discorre a entidade, que acrescenta: “As cenas são um indício da brutalidade da ação e levantam questionamentos sobre a possível alteração do local do crime, impedindo os trâmites oficiais de averiguação dos fatos ocorridos”.
PC cumpria mandado de prisão
Conforme informações do G1, a PC cumpria um mandados de prisão contra Lourenço Rosemar por por tráfico de drogas, homicídio, estupro, roubo e violência doméstica e receptação. A corporação alega que tentou negociar, mas o sujeito estava armado e não se rendeu. Após alvejado, o indígena teria sido imediatamente socorrido, mas não resistiu.
Leia a íntegra da nota:
“NOTA DO CIMI GOIAS/TOCANTINS E DO CIMI MATO GROSSO SOBRE O ASSASSINATO DO INDÍGENA LOURENÇO ROSEMAR
O Conselho Indigenista Missonário – Cimi Regional Goiás/Tocantins e Regional Mato Grosso manifestam sua indignação pela operação realizada pela Policia Civil dos estados do Tocantins e Mato Grosso, na manhã do dia 16 de setembro, que vitimou o indígena Lourenço Rosemar Filho de Mello, do povo Karajá, morto pelos agentes policiais na aldeia Santa Isabel do Morro, localizada no Parque Indígena do Araguaia, na Ilha do Bananal, município de Lagoa da Confusão (TO).
A operação truculenta da Policia Civil no interior da terra indígena contou com uso de helicóptero e policiais dos estados do Tocantins e Mato Grosso, que foram à aldeia para, segundo nota da polícia, cumprir mandado de prisão contra o indígena Lourenço.
Segundo relatos de membros do povo Iny-Karajá, mesmo esboçando rendição, Lourenço foi morto por disparos na frente de toda a comunidade, tendo sido esta violência presenciada por mulheres e crianças da aldeia – inclusive seus próprios familiares.
A violência praticada nessa operação contra os povos indígenas foi acompanhada por representação da Fundação Nacional do Índio (Funai), o que dá ainda caráter mais aterrador à ação, visto que o órgão deve primar pela proteção dos povos indígenas.
É sabido que a ausência da atuação da Funai nos territórios indígenas vem abrindo espaço para ações de violação de direitos e violências, com os territórios indígenas sofrendo a ausência de fiscalização, colocando as comunidades a mercê de invasores.
Informações obtidas junto a lideranças da aldeia dão conta de que, em nenhum momento, as lideranças foram consultadas ou informadas sobre a operação pelo órgão indigenista, o que representa um sério desrespeito à autonomia dos povos indígenas e certamente foi um dos elementos que contribuiu para o trágico desfecho da ação policial.
A ausência da Polícia Federal, responsável por por garantir a segurança dos indígenas e por atuar em situações de conflito envolvendo estes povos, também é um elemento que se soma à trágica ocorrência, que impactou duramente todos os moradores da aldeia.
Nada justifica a ação truculenta e de violação de direitos de toda a comunidade da aldeia Santa Isabel, que, a despeito de qualquer suposta justificativa, foi obrigada a presenciar o tratamento desumano a um de seus membros.
Vídeos que circulam nas redes sociais e meios de comunicação mostram o indígena alvejado, já desfalecido, sendo atirado na carroceria de uma caminhonete. As cenas são um indício da brutalidade da ação e levantam questionamentos sobre a possível alteração do local do crime, impedindo os trâmites oficiais de averiguação dos fatos ocorridos.
O Cimi apela aos órgãos responsáveis a devida investigação de tal ação policial para o esclarecimento dos fatos e demanda ao poder público, ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública da União que acompanhem de perto o caso e demandem dos órgãos a investigação séria e imparcial, exigindo da Funai o devido esclarecimento sobre a presença de um servidor do órgão nesta desastrosa ação.
Instamos aos mesmos órgãos que primem para que a comunidade não sofra mais com insegurança que foi instalada na aldeia.
Ao povo Iny-Karajá, sobretudo da comunidade de Santa Isabel, nossa solidariedade diante da invasão de seu território e da brutal ação que marca, de forma dolorosa, a já tão dura realidade enfrentada pelos povos indígenas.
Palmas e Cuiabá, 16 de setembro de 2021
Cimi Regional Goiás/Tocantins
Cimi Regional Mato Grosso”