Sendo a liberdade adquirida após o nascimento com vida, o mais sagrado dos direitos a que faz jus o ser humano, pode-se afirmar que um de seus mais puros desdobramentos é o direito à propriedade.
A propriedade está presente na vida do ser humano, desde os primórdios da organização das primeiras estruturas sociais. Foi matéria de direito civil e natural entre os romanos e privilégio apenas dos cidadãos romanos por muitos anos, foi prerrogativa dos nobres durante os anos que se estenderam da idade média ao séc. XVIII.
Em nosso ordenamento pátrio, foi expressa pela primeira vez como Direito Positivo certo e determinado no Art. 179, XII da Constituição Imperial de 1824, que garantia a inviolabilidade do direito de propriedade, ao mesmo tempo em que ressalvava os casos de utilização dos bens particulares pelo poder público, vez que já nessa época o direito a justa e previa indenização era garantido ao cidadão brasileiro.
Desde então permaneceu com status de garantia constitucional, prevista no:
- Art. 72, §17 da Constituição de 1891;
- Art. 113, 17 da Constituição de 1934 na dura “Era Vargas”;
- Art. 122, 14 da Constituição de 1937;
- Art. 141, § 16 da Constituição de 1946;
- Art. 150, § 22 da Constituição de 1967;
- Art. 5˚, XXII e XXIII da Constituição de 1988;
Foi entretanto, só com o advento da Constituição de 1988, que o Direito de Propriedade adquiriu status de garantia fundamental, ao mesmo tempo em que foi atrelado a um novo elemento que lhe segue até os dias modernos, como parte indissolúvel de sua essência, a chamada “função social”.
Os Direitos Fundamentais, dentre eles a propriedade, são garantias constitucionais que asseguram ao indivíduo mínimo necessário para que possa viver de forma digna dentro de uma sociedade administrada pelo Poder Estatal.
São a base do direito à vida digna e da manutenção dos direitos humanos, enquanto pilares de uma sociedade livre, igualitária e democrática, logo dessa forma são invioláveis.
A função social por sua vez aparece como elemento que garante a propriedade atenda a um bem maior, e corresponde à correta utilização do imóvel de forma atender a suas finalidades econômicas, sociais e ambientais, é a exploração do bem imóvel de acordo com sua destinação de modo a produzir riquezas, sem causar prejuízo a outrem, e em correta observância às normas de direito, sejam elas ambientais, cíveis, tributárias e trabalhistas, tudo, nos melhores termos do Art. 186 da CRFB.
Por fim a função social está prevista, de modo descritivo no Art. 1.228 §1˚ do Código Civil, o mesmo que disciplina a propriedade.
Questão outra de suma importância, é que, ao se atrelar a propriedade ao cumprimento de sua função social, o ordenamento jurídico dá destaque às medidas que visem assegurar o “Direito de Acesso à Propriedade”.
Os principais mecanismos de acesso à propriedade, a cargo do estado, por sua vez, são a Regularização Fundiária e a Reforma Agrária.
É dever do Estado reconhecer, o direito de se tornar proprietário, àqueles que tomam para si uma porção de terras e sobre ela edificam sua vida e a de sua família e a tornam produtiva, gerando riquezas, não só para si mesmo, mas também para sociedade e para o próprio Estado.
Da mesma forma regular os meios de acesso à terra aqueles que tem condição de trabalhá-la e torná-la produtiva, mas não tem recursos, por meio da efetivação das políticas nacionais de reforma agraria também é dever do Estado.
O produtor rural, seja ele na figura do agricultor familiar, ou do grande produtor, que se encontram em status de irregularidade, apenas como possuidores de terras que pertencem ao estado, tem o direito fundamental de ter sua propriedade reconhecida, uma vez preenchidos os requisitos legais, vez que são essas pessoas que transformam terra inculta e abandonada em imóvel produtivo.
O direito de ver reconhecida sua propriedade, ou se ter acesso a ela nos moldes acima explicitados, é elemento indissolúvel da própria dignidade da pessoa humana dos ocupantes dos aludidos imóveis, a falta de medidas efetivas de regularização fundiária e acesso à propriedade, ocasionadas pela morosidade e ineficiência do poder público, fere explicitamente o Art. 5, XXII e XXIII da CRFB.
Sob essa ótica, a implementação de medidas efetivas de regularização fundiária e reforma agrária, bem como a assistência social e econômica a seus beneficiários, é questão indispensável à proteção da dignidade da pessoa e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, já que a efetivação de tais medidas é elemento fundamental, para que possamos edificar uma sociedade livre justa e igualitária, que abrirá as portas para pleno desenvolvimento nacional, auxiliando diretamente no combate a pobreza e as desigualdades sociais.
Por fim, lamentamos que a MP 910/2019 tenha caducado nos corredores do Congresso… A iniciativa foi boa, mas a boa vontade do legislativo foi fraca…
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
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