A Câmara dos Deputados pode votar nesta semana o marco temporal de demarcação de terras indígenas, até mesmo nesta terça-feira, 30. Os deputados aprovaram o regime de urgência para o projeto por 324 a 131 votos, sob protestos das bancadas do PT, PV, PCdoB, Rede e Psol. O grupo defende que o legislativo não deveria analisar a questão antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. Um julgamento já está marcado para o dia 7 de junho. No Tocantins, a titular da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), Narubia Werreria, é extremamente contrária ao texto.
ENTENDA
O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras em que já estavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando este critério foi usado. A Câmara quer tornar este entendimento em legislação. Atualmente, a demarcação é realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) por meio de procedimento administrativo que envolve critérios técnicos e legais, tais como a verificação por um antropólogo da demanda apresentada pelo povo indígena; estudos de delimitação; o contraditório administrativo; e a aprovação e o registro da demarcação.
CASO NO SUPREMO
Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo. O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil metros quadrados, não estava ocupada em 5 de outubro de 1988. Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá. A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.
SÓ POSSO PENSAR QUE ODEIAM OS POVOS INDÍGENAS
Narubia Werreria condena a tese e o Projeto de Lei que tramita na Câmara. “É uma anomalia inconstitucional, a maior violência que o legislativo está promovendo contra os povos originários desde a redemocratização. Só posso pensar que estes deputados odeiam os povos indígenas e toda a natureza que protegemos em nosso território. A ganância sobre nossas terras ainda impera nesta nação”, lamenta.
COMUNIDADE INTERNACIONAL ACOMPANHA
Apesar do avanço do texto, a secretária dos Povos Originários argumenta que a iniciativa não irá prosperar. “Se enganam os que acham que conseguirão êxito. Vivemos em outro século. As mudanças climáticas são uma realidade comprovada pela ciência, os territórios indígenas e tradicionais são as últimas fronteiras verdes da terra e a comunidade internacional está acompanhando o escárnio com que os povos indígenas estão sendo tratados em seu próprio território, em suas próprias terras”, alerta.
MOVIMENTO INDÍGENA VAI SE LEVANTAR
Por fim, Narubia Werreria destaca que haverá resistência, independente do cenário político. “O movimento indígena vai se levantar. Se levantou no governo que era totalmente contrário à demarcação de terras indígenas e não teve medo. Foi um dos momentos mais atuantes nestes últimos quatro anos. E não será agora, com um governo que criou o Ministério dos Povos Indígenas, que o movimento vai ficar parado. Pelo contrário, vai vir com muita força para o Congresso Nacional cobrar os deputados”, avisou.