Uma nota técnica da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) assinada pela antropóloga tocantinense Reijane Pinheiro da Silva e pelas cientistas Ana Rojas Acosta e Rute Maria já denunciava os riscos do marco temporal de demarcação de terras indígenas, tese aprovada na noite desta terça-feira, 30, pela Câmara dos Deputados e que agora segue para apreciação do Senado. “A norma representa um retrocesso inquestionável para os povos originários, já constantemente ameaçados pelas invasões às suas terras para instalação de garimpo ilegal e desmatamentos para retirada de madeira, além dos impactos diretos e indiretos dos projetos de desenvolvimento implementados nas fronteiras de seus territórios”, resumem.
PRESENÇA INDÍGENA É ANTERIOR A FORMAÇÃO DO PRÓPRIO ESTADO
O documento questiona a tese do Projeto de Lei por desconsiderar o processo histórico, marcado pela “invasão, pela violência e pelo genocídio”, densamente documentados e que, conforme reforçam, ainda acontecem. Tal realidade tem obrigado estes povos a se deslocarem constantemente, pontuam as cientistas. Além disso, a questão histórica também é apontada. “Cabe ressaltar que a presença indígena no que é hoje o território nacional é anterior à existência e formação do próprio Estado, constituindo assim o direito originário desses povos a essas terras”, acrescenta.
MUITO ALÉM DO MARCO TEMPORAL
Especificamente sobre o texto, a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas elenca outras preocupações, já que o mesmo: abre a possibilidade de que os indígenas estabeleçam contratos diretos com empresários do agronegócio, autorizando o uso das terras indígenas para a cultura de grãos e criação de gado; permite que áreas já demarcadas sejam tomadas pelo Estado, quando este considerar que houve “perda de traços culturais”; admite a retirada de áreas de usufruto exclusivo dos indígenas quando existir “relevante interesse público da União”.
CUMPRIMENTO DA CONVENÇÃO DA OIT
A Rede Brasileira de Mulheres Cientistas encerra a nota técnica com recomendações, todas com base na Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e da qual o Brasil é signatário. A entidade cobra que os povos interessados sejam consultados por meio de procedimentos legais que incluam suas instituições representativas, sempre que forem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; e que crie meios para que possam participar livremente, ou, pelo menos, na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem.