Sempre chamou minha atenção o comportamento de alguns animais, em especial dos cães. Não vai longe o dia que aprofundando no estudo dos ensinamentos sobre a espiritualidade, deparei-me com uma assertiva que confirma o que sempre achei passível de existir: Os animais têm alma, sim.
De acordo com os ensinamentos da espiritualidade, alguns animais têm o que pode ser considerado como mediunidade, já que conseguem pressentir algo no ar e, geralmente, estão certos e, ainda, que o homem é muito parecido com os animais, porém, estes agem por instinto e também por inteligência, só que limitada.
Diante disso, repasso na memória acontecimentos que comprovam essa afirmação, em especial no que tange à questão alma dos animais, pois quanto ao fogo do inferno, Adão e Eva e tantos outros ensinamentos que vêm se arrastando pelos tempos, já são superados pela própria realidade da vida e das religiões.
Mas no caso dos cães, o que narro a seguir nos esclarece e diz muito sobre o assunto: Há décadas, mais precisamente 1970/80, residi com minha família, esposa, dois filhos e uma filha, no Setor Crimeia Oeste, bairro situado na região Norte de Goiânia, naquela época afastado do centro da cidade, não tanto pela distância, mas pelas dificuldades de lá chegar, pois não havia asfalto, telefones e outros itens que o progresso aos poucos cuidou de levar bem depois.
Nas estações chuvosas, lama e buracos, tanto é que para chegarmos em casa, tínhamos que passar pelo Bairro Fama, o que aumentava em muito a distância devido a impossibilidade de se passar pela rua que veio a ser hoje a extensão da Avenida Goiás e que naquela época um córrego que ali passava, inundava quase tudo e as crateras não permitiam a passagem do meu fusca. Na seca, poeira. Hoje, com a abertura da Av. Goiás e a construção do Terminal Rodoviário, aquele bairro está praticamente no centro da Capital Goiana.
Pois bem, foi lá que criávamos um cachorrinho da raça “poodle”, que de tão inteligente, dócil e companheiro, meus filhos colocaram o nome de “fofo”, pois seu pelo lembrava um novelo de lã. Conviveu conosco por muito tempo. Mas com o crescimento das crianças, resolvemos nos mudar para um apartamento no centro da cidade, na tentativa de facilitar um pouco mais a vida. Veio aí o grande drama: O condomínio não admitia, em hipótese alguma, criação de animais. Fazer o que? Procurar um amigo e pedir que cuidasse daquele animalzinho.
Combinado com um amigo e colega de trabalho que residia no Setor Pedro Ludovico, situado na região Sul, exatamente o oposto do nosso bairro. E assim fizemos. Para as crianças uma separação amenizada pela novidade da nova residência, um apartamento situado no 16º andar, complementado por uma área de lazer de 1.200m². Para minha esposa e eu, que já não tínhamos essas ilusões, foi mais difícil executar aquela tarefa diante dos acontecimentos diários e as alegrias que aquele animal nos proporcionava. Informamos a todos que enquanto estivessem na escola, nos encarregaríamos de levá-lo até a residência do meu amigo. Isso numa tarde de sexta-feira que não esquecemos jamais.
Dois dias depois, na segunda-feira, meu colega me comunica que por um descuido o “fofo” havia fugido da sua casa pela manhã. Aquele animalzinho nunca saía de casa, a não ser para ser vacinado, ali nas proximidades ou para dar umas voltinhas em nossa rua. Até os banhos eram no jardim de casa, o que se tornava uma festa para as crianças e mesmo porque não existia a modernidade de pet shops. Diante daquela notícia, tínhamos como certo que não o veríamos mais, pois nunca havia se quer atravessado uma rua sem uma companhia e o trânsito já era intenso nos horários de pico. Seria o fim daquele amiguinho? Amenizamos no que foi possível aquela ocorrência tão desagradável que tanto nos entristeceu.
No sábado daquela mesma semana, ou seja, quatro dias após, acordo com o barulho de algo arranhando o portão da garagem. Abrindo, passa por mim como uma bala aquele pacote de algodão, encardido de poeira e lama. Era o “fofo” que foi se agasalhar no canto da garagem onde ficava a sua casinha. Mais parecia um velhinho esfarrapado, andarilho, de cabeça baixa, sem firmeza e sem carinho. Anunciei aquela chegada para todos e ele, “fofo”, só não se expressou em palavras, mas corria de um lado para o outro, pulando e latindo e recebendo o abraço de cada um, em especial das crianças. Observem o olhar de um poodle, parece o das pessoas, e nele, essa característica era destacada, pois parecia falar com os olhos. Um olhar que não esquecerei jamais em minha vida.
Novo dilema. Para onde o levaríamos desta vez? Lembramos de uma tia que residia, por coincidência, no mesmo setor que meu amigo, com uma diferença vital, na casa dela havia inúmeras crianças com as quais ele se identificaria. Assim fizemos. Foi uma chegada triunfante, cercado da criançada o primeiro banho na nova casa foi motivo de plena alegria. Afagos de todos os lados e ele me pareceu ter voltado a sorrir, pois assim dizia o seu olhar. E lá o deixamos. De quando em vez passávamos por ali e fomos constatando a cada visita que, inteligentemente, ele transferia aos poucos o afeto para os novos amigos, numa atitude que os humanos, também, são acostumados a praticar.
Passei a analisar como poderia um animal que raramente saía de casa ter atravessado vários setores da Capital, tais como Setor Pedro Ludovico, Setor Sul, Centro, Bairro Popular, Setor Ferroviário, até chegar ao Criméia Oeste? Como conseguiu atravessar inúmeras ruas e avenidas como Anhanguera, Paranaíba e tantas outras? Com certeza reuniu todas as forças imbuído do amor que nutria por minha família e sem nenhuma dúvida não temeu o caminho a percorrer, como se fosse um habitual caminhante e com certeza passou fome e sede pois ninguém nada faria por ele.
Só me ocorre entender que os animais são criaturas deste mundo como tantas outras criaturas, como boa parte de nós humanos que quando imbuídos de amor e lealdade transpõem qualquer barreira.
E aí me vem a afirmação do inesquecível Chico Xavier confirmando o que sempre acreditei e que pode explicar a ação daquele cachorrinho: OS ANIMAIS TÊM ALMA, SIM!
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com