… A criança teve que nascer. E no momento que dava o grande salto para o novo mundo, desconhecido e estranho, foi acolhida por dois braços carinhosos. Olhou para cima e viu um rosto iluminado de amor, derramando sobre ela o mais terno sorriso de emoção. …
– Oh, como é bom nascer! Exclamou a criança. A felicidade lhe invadiu o pequeno corpo ao ser beijada, acariciada e embalada docemente pela mãe. Que maravilha! Ela agora podia sentir o calor aconchegante do corpo de sua mãe. – Oh! Aqui está o coração que batia aquela linda música durante nove meses…
A criança exultante fazia novas descobertas. Estava com fome e a mãe, solícita e atenta lhe dava o seio. Qualquer chorinho, o carinho da mamãe lhe acalentava. Era neste outro lado da vida que se sentia mais amada e protegida que nunca. Recebia o alimento na boquinha a qualquer momento que o desejasse.
– Obrigada, meu Deus, porque me fizeste nascer! Estou tão contente! Não quero mais voltar para onde estava antes
E foi se desenvolvendo muito feliz, carregada carinhosamente de braço em braço. Era o centro das atenções. Onde estava havia festa, sorrisos, enfim o próprio reino dos céus… Foi crescendo e o mundo se tornava mais grandioso e mais bonito.
De manhã o sol batia em sua janela resplandecente de luz e calor; os pássaros cantavam ao seu redor; as flores enfeitavam os caminhos da sua vida. A juventude chegou com seus arroubos e ideais e com os irresistíveis impulsos do amor; o corpo atingia a plenitude exuberante…Um certo dia o coração explodiu de amor por uma criatura apaixonante. Passou para uma outra parte, parte de si mesma. Casaram-se, tiveram filhos, prosperaram.
E o tempo passou. Agora, do alto de sua idade contemplava tudo com mais segurança. Quanta distância daquele longínquo dia do primeiro nascimento! Os cabelos tingidos de branco pelo tempo, as pernas trôpegas, o coração hesitando de vez em quando…
Um belo dia ao entardecer, aquela mesma voz de décadas atrás, que há muito havia esquecido, voltou a falar-lhe: – Filha, você terá que partir de novo. –
– Ah, não! Tenha santa paciência. Sair daqui onde estou muito bem? Olhe quantas pessoas queridas ao meu lado. Veja o mundo lindo que construí ao longo de tantos anos. Eu mereço ficar aqui.
– Você irá para um lugar muito melhor ainda. Afirmou a voz.
– Não desejo trocar o certo pelo duvidoso. Não quero sair daqui. Por favor não insista!
A voz explicou-lhe, pacientemente: – Lembra-se daquela vez que você se recusava a nascer?
– Recordo como se fosse hoje.
– Eu procurava convencer-lhe de que partiria para uma vida muito melhor. Concorda que deste lado tudo é realmente assim?
– Concordo plenamente.
– Agora pense um pouco. Você tinha medo de partir para este lado. Tudo era desconhecido, apesar de minha palavra empenhada. No entanto você viu e viveu desde o nascimento, momentos de pura felicidade e realização, não foi? – Sim, é verdade – confirmou ela. – Pois não é justo e lógico supor que nesse outro lado, você será, também, acolhida por dois braços amorosos? –
– Tenho minhas dúvidas! Replicou.
– A amor sempre se traduz em amor em qualquer lugar. Aquele que preparou dois braços carinhosos, um rosto radiante de felicidade e um coração cheio de amor para receber você nesta vida, com mais razão ainda já lhe reservou a recepção mais arrebatadora que você possa imaginar.
(Continuará, oportunamente no texto III).
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JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com