Decisão da 1ª Escrivania Cível da Comarca de Tocantínia de quarta-feira, 18, determinou a indisponibilidade de até R$ 120 milhões dos advogados Fábio Bezerra de Melo Pereira, Luciano Machado Paçô, André Guilherme Cornelio de Oliveira Brom, Juliana Bezerra de Melo Oliveira e de dois escritórios de advocacia. A quebra de sigilo bancário também foi decretada. Os réus são denunciados em ação relacionada ao pagamento de honorários em processos da Prefeitura de Lajeado. Um dos acusados pelo Ministério Público fala em “perseguição” e defende que atuação jurídica “levou recursos” ao município.
O Ministério Público do Tocantins (MPE) narra na ação que a Prefeitura de Lajeado conseguiu decisão favorável para receber R$ 200 milhões de repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) proveniente das atividades da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães. Entretanto, representado pelo escritório Melo & Bezerra Advogados Associados, o município decidiu, em acordo com o Estado, se abster de receber 50% do valor para agilizar o pagamento dos recursos.
Dos R$ 100 milhões a ser destinado para Lajeado após acordo, 20% ainda ficou para o escritório Melo & Bezerra Advogados Associados como honorários advocatícios. Ou seja, dos R$ 200 milhões previstos inicialmente, o município acabou com apenas R$ 80 milhões. Para que este negociação com o Estado pudesse acontecer, uma lei municipal deveria ser aprovada, autorizando a prefeitura fechar o acordo. Diante disto, é indicado pelo MPE uma suposta compra de vereadores.
“Como se não bastasse à incoerência do município em receber somente R$ 80 milhões, abrindo mão de R$ 120 milhões do crédito total de R$ 200 milhões, fato que afeta diretamente o princípio da economicidade, houve a suposta compra de vereadores para a aprovação da Lei que concedia poderes extremos à chefe do Executivo, para negociar um crédito público como bem privado fosse, ou seja, sem limites para a renúncia dos valores pendentes”, anotou o juiz Alan Ide Ribeiro.
Outro escritório, o “Brom & Brom Advogados Associados”, também é réu na ação. A empresa foi a responsável por garantir ao município o direito aos R$ 200 milhões. Entretanto, a prefeita na época, Márcia da Costa Reis Carvalho, extinguiu o vínculo alegando economicidade. Só que depois disto assinou com a “Melo & Bezerra” para fechar acordo com o Estado. Detalhe que os patamares de contratação de ambos esteve vinculado ao percentual de 20% sobre o benefício da atuação jurídica.
Alan Ide Ribeiro acompanha o MPE e vê indícios de conluio entre as empresas. “Não seria de interesse da ‘Brom & Brom’, pelos valores envolvidos, renunciar ao crédito de mais de R$ 20 milhões que teria direito pelas ações judiciais”, destaca o juiz, citando que o escritório não questionou o encerramento do vínculo. Para o magistrado, outro sinal de que houve arranjo é o fato da “Melo & Bezerra” ter defendido a “Brom & Brom” no Tribunal de Contas (TCE) em processo que questionava justamente a contratação irregular do escritório pelo município.
“É incompreensível que o município rescinda contrato de 20% com o escritório Brom & Brom porque o valor remuneratório era elevadíssimo, para pagar o mesmo valor ao escritório Melo & Bezerra e renunciar a mais R$ 100 milhões em um acordo absurdamente prejudicial ao ente público”, diz o magistrado, que acrescenta: “O aludido escritório de advocacia recebeu mais – da receita transferida do ICMS de Lajeado – do que 119 dos 139 municípios tocantinenses receberam a título de participação financeira no referido imposto em 2017. Se fosse um município, ‘Melo & Bezerra’ seria o 21º em receita transferida do ICMS no Estado”.
Além da suspeita da compra de vereadores e da violação ao princípio da economicidade, o magistrado indica que lei municipal que permitiu o acordo prejudicial ao município é inconstitucional e não apresentou estudo de impacto financeiro. Ainda é destacado que a “Melo e Bezerra Advogados Associados” não teria prestado serviço ao município, isto porque o acordo – objeto do contrato – não contém qualquer assinatura de representante do escritório.
O juiz também destaca na decisão que o acordo que resultou em prejuízo ao erário de Lajeado também foi assinado pela Prefeitura de Miracema do Tocantins, e por isso defende haver a necessidade de apuração dos fatos também pelos miracemenses por “ter ocorrido supostamente o mesmo esquema criminoso e dilapidador de crédito público”.
A sentença Alan Ide Ribeiro reforça que a Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública (Dramca) também investiga o caso após receber depoimento do ex-procurador de Lajeado Renan Albernaz, que citou ter recebido ameaças para que não prejudicasse o contrato do Paço com a “Melo & Bezerra”, afirmando ainda que o procedimento de dispensa de licitação do contrato do escritório era mantido fora da sede do Executivo.
Pedidos
Tal depoimento fez com que Alan Ide Ribeiro também determinasse busca e apreensão do processo de dispensa de licitação que resultou na contratação da “Melo & Bezerra” na sede da prefeitura. “Caso de negativa de existência do procedimento dentro da sede do município, deverá o prefeito ou seu substituto fazer tal declaração ao oficial de justiça”, anota.
“Diante da necessidade de se entender todo o suposto esquema acima citado, envolvendo compra de apoio parlamentar, corrupção ativa e passiva de agentes públicos, formação de quadrilha, prevaricação, e outros delitos, há fundamentação de sobra para a decretação da quebra de sigilo fiscal e bancário dos demandados desde o ano de 2014 até a presente data”, justifica o juiz quanto ao outro pedido.
Além de determinar busca e apreensão de documento, a quebra de sigilo bancário e a indisponibilidade solidária de bens no valor de R$ 120 milhões, o juiz Alan Ide Ribeiro ainda suspendeu quaisquer pagamentos relativos ao acordo firmado entre Prefeitura de Lajeado e o governo do Estado que gerou o suposto prejuízo ao erário.
“Perseguição”
Fábio Bezerra de Melo Pereira conversou com o CT e enviou nota para comentar o caso. O advogado lembra que Alan Ide Ribeiro já havia declarado o bloqueio de contas antes, mas a determinação foi derrubada após recurso ao Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Entretanto, a nota fala em uma certa “insistência” do magistrado que resultou nesta nova decisão.
“O curso do feito originário deixa clara uma perseguição aos advogados que trabalharam no processo e levaram recursos ao município de Lajeado, reafirmando uma longa insatisfação do Ministério Público com os honorários advocatícios”, afirmou.
Fábio Bezerra ainda destaca que a contratação do seu escritório passou pelo crivo do Pleno do TCE e do Colégio de Procuradores, ambos por unanimidade. O advogado acrescenta ainda que o trabalho da “Melo & Bezerra” também foi reconhecido emm decisão do TJTO,
Acordo trouxe recursos
O argumento do MPE – acatado por Alan Ide Ribeiro – de que a atuação da “Melo & Bezerra” teria causado prejuízo a Lajeado foi bastante combatido por Fábio Bezerra. Segundo o advogado, o escritório fez foi levar recursos ao município, já que era Miracema do Tocantins que detinha para si a integralidade do valor adicionado de ICMS gerado pela usina Luís Eduardo Magalhães.
“Como deu prejuízo se não tinha o recurso”, disse em conversa com o CT. “O escritório trouxe recursos para o município com a formatação de acordo perante o Estado, tendo recebido unicamente um percentual sobre o que efetivamente entrou nos cofres do município em decorrência dos trabalhos realizados, fato que por si só, afasta qualquer possibilidade de dano ao erário, mesmo porque o direito de Lajeado não estava pacificado”, acrescentou por meio de nota.
O advogado destaca que tal acordo foi devidamente homologado pela Justiça, com a participação do então governador José Wilson Siqueira Campos (Democratas), bem como do secretário da Fazenda à época, Marcelo Olímpio Carneiro Tavares, alega. Fábio Bezerra reforça ainda que, intimado sobre o acordo, o MPE teria se manifestado “no sentido de que fosse dado prosseguimento ao feito”. “Não vendo assim, qualquer irregularidade”, afirma.
Fábio Bezerra ainda afirma que a atuação do escritório resultou justamente no aumento dos repasses de ICMS em até 3000%. O advogado anexa na nota uma tabela que diz que Lajeado passou de R$ 7.643.353,31 do tributo em 2010 para R$ 400.775.947,71 em 2018. “A municipalidade saltou do 97º lugar do ranking dos municípios tocantinenses em participação no ICMS para o 7º lugar”, afirma.
“Inconcebível a alegação de que houve prejuízos para a municipalidade em questão, tendo sido o município tocantinense que mais aumentou seus repasses de ICMS no período em que foram desenvolvidos os trabalhos pelos contratados, questão já afastada pelo Ministério Público de cúpula, bem como pelo Tribunal de Contas do Estado do Tocantins e Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades”, conclui.
Fábio Bezerra ainda nega ter qualquer tido qualquer tipo de relacionamento com a Câmara de Lajeado e ainda argumenta que, para o acordo, não haveria necessidade de qualquer tipo de Lei, isto porque a atuação do escritório não resultou em “renúncia de receita”, mas de “suplementação”.