Nesta terça-feira, 7, dia em que a Lei Maria da Penha completa 12 anos no combate à violência doméstica e familiar, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) divulgou que no Estado, 7.314 casos de crimes contra a mulher foram ajuizados de janeiro de 2017 a julho deste ano. Segundo a instituição, o crescente número de processos demonstra que as vítimas vêm se sentindo mais seguras para denunciar os agressores e que o trabalho do Judiciário tem conseguido ganhar a confiança de quem sofre esse tipo de crime.
Os números ainda evidenciam uma realidade que antes ficava velada, pois, em sua maioria, a violência contra a mulher é cometida por parceiros ou ex-parceiros (em média, 80% dos casos). Fato que, por vezes, coíbe a denúncia.
Segundo a juíza Nely Alves da Cruz, titular da Coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, apesar das dificuldades para uma mudança cultural, os avanços são perceptíveis. O Tocantins hoje conta com três varas especializadas no atendimento à mulher vítima de violência. “Os desafios são muitos, a Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, uma das melhores do mundo sobre o assunto, promoveu mudanças consideráveis no tratamento da questão de violência doméstica e familiar. Ainda assim, estamos longe de atingir o almejado, que é a proteção integral das vítimas e, consequentemente, a paz em casa”, explicou.
De acordo com o Mapa da Violência de 2015, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de violência contra a mulher. São casos de assédio sexual, agressão moral, patrimonial, física, ameaça, tentativa de homicídio e feminicídio.
Marcas físicas
Conforme o TJTO, óculos de sol inadequados à ocasião, por vezes, são suficientes para esconder as marcas físicas. Mas são pouco eficazes quanto às feridas psíquicas que vão se acumulando. No entanto, quando a necessidade de Justiça supera o medo e a sensação de impotência, a realidade começa a ser transformada. A Lei Maria da Penha completa 12 anos e vem, junto com o Judiciário, contribuindo para que milhares de mulheres tenham esperança de justiça diante de situações de violência.
Vítima
Lucirene Rodrigues dos Santos, que mora em Monte do Carmo, no interior do Tocantins, é um bom exemplo. Ela foi vítima de violência doméstica por parte do ex-marido e, durante os 13 anos que permaneceu casada, viu os abusos aumentarem gradativamente. “No início ele me impediu de continuar meus estudos. Depois de falar com alguns amigos. As coisas foram só piorando até o ponto que me impedia de ter contato com a minha própria família e começou a realizar agressões físicas. A gota d’água foi quando ele me agrediu com uma faca”, contou a servidora pública.
Assim como Lucirene, muitas mulheres se sentem inseguras para denunciar os agressores. Entre os principais motivos que inibem a denúncia, está o fato de que a vítima é ameaçada e tem medo de ser agredida novamente ou até sofrer algo pior. Outros fatores que contam nessas situações são a dependência financeira da vítima, vergonha de tornar pública a violência sofrida e, até mesmo, a crença de que o agressor está sendo sincero quando se diz arrependido da violência cometida.
Mas como diz em um de seus livros a célebre filósofa Simone de Beauvoir, “em todas as lágrimas há uma esperança”. Em Monte do Carmo, a determinação de Lucirene em mudar de vida alcançou outras mulheres em situação parecida. Após denunciar o ex-marido, ela mobilizou o poder público para conseguir uma unidade da EJA – Educação de Jovens e Adultos para o município, voltou a estudar e se formou em Ciências Contábeis. “De alguma forma a minha história serviu para mudar a vida de outras mulheres”, comemorou.
Semana da Justiça pela Paz em Casa
O Judiciário tocantinense participa da 11º Semana da Justiça pela Paz em Casa entre os dias 20 e 24 deste mês. A mobilização, que é nacional, busca dar mais celeridade aos processos envolvendo violência doméstica e familiar contra as mulheres. Durante a semana, além do esforço concentrado no julgamento de ações, também é promovida a reflexão sobre o tema para fomentar o combate este tipo de violência.
A Semana é promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com os tribunais de Justiça estaduais, varas e juizados especializados em violência doméstica e tem como objetivo ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) concentrando esforços para dar andamento aos processos relacionados à violência de gênero.
Mulheres chegam à Defensoria Pública
Dados da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) revelam que 943 denúncias de violência doméstica contra mulheres chegaram à Instituição somente no período de janeiro a julho deste ano, o que sugere uma média de mais de 150 casos por mês. Ao todo, considerando as denúncias e outras situações relacionadas ao assunto, como o contraditório e orientações, entre outras, foram 1.084 atendimentos nessa área.
O relatório do departamento de Estatística da Corregedoria Geral da DPE-TO mostra, ainda, que a maior quantidade do total de atendimentos desta área, no primeiro semestre deste ano, foi em Palmas (570), seguida de Araguaína (318), e Gurupi (121). Em municípios menores do interior do Estado há poucos casos de atendimento nesta área, a exemplo dos registrados em Aurora do Tocantins (1), Novo Acordo (2) e Wanderlândia (3).
Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da DPE-TO, a defensora pública Vanda Sueli Machado explica que os poucos registros nas cidades do interior não querem dizer que há pouca violência, mas que, possivelmente, existe ainda muito medo em denunciar. “Por residirem em cidade pequena, onde todos se conhecem, o medo e a vergonha de denunciar são maiores”, disse a Defensora Pública.
De acordo com Vanda Sueli, a violência contra a mulher, seja doméstica ou nas ruas, ainda é muito elevada, principalmente para as que possuem menos instrução e consciência dos seus direitos. Nesse cenário, são comuns os atendimentos de casos reincidentes. “Há muitos casos em que a mulher desiste da medida protetiva por dependência financeira. Ela volta para casa somente porque o homem é o responsável pelo sustento do lar. A maioria das mulheres não tem emprego fixo e são subordinadas ao homem”, disse a coordenadora do Nudem.
Lei Maria da Penha
Os casos de violência no Brasil são amparados com medidas judiciais pela Lei Maria da Penha. Trata-se de um grande marco no combate à violência contra a mulher no Brasil desde que Constituição Federal passou a dar fundamento constitucional ao combate à violência doméstica, obrigando ao Estado criar mecanismos para coibir a violência familiar (artigo 226, § 8º). Testemunhas também podem fazer denúncias de forma anônima.
De acordo com a coordenadora do Nudem, antes da referida Lei as mulheres vítimas de violência estavam completamente desamparadas judicialmente. “As regras não eram tão rígidas e não havia tanta proteção, por isso, muitas mulheres sequer denunciavam por medo de vingança dos companheiros”, considera. Porém, mesmo tendo uma das melhores Leis de combate à violência doméstica, o Brasil ainda tem uma das maiores taxas de feminicídio do mundo, com uma mulher sofrendo algum tipo de agressão a cada 7 minutos.
Nudem
O Nudem é um núcleo especializado, instituído especialmente para atender às mulheres vítimas de violência. Entre as atribuições estão: prestar orientação e apoio de natureza sócio-jurídica, encaminhar os casos de acordo com as suas especificidades à rede de proteção e defesa da mulher, desenvolver ações de prevenção mediante atendimento especializado de orientação e assistência jurídica, psicológica e social; e realizar estudos e pesquisas voltadas à temática, com vista à elaboração das políticas públicas dirigidas à proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, dentre outros.
Denuncie
Os principais meios de denúncias relativas à violência doméstica é o “Ligue 180” e “Disque 190”, que podem ser acionados gratuitamente. Em casos de violência sexual, a vítima deve procurar o Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual (Savis), que funciona no Hospital Maternidade Dona Regina (HMDR), em Palmas. Pode procurar, ainda, hospitais ou postos de saúde públicos para atendimento de primeiros socorros e narrativa da agressão.
Outra iniciativa é ir à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), registrar Boletim de Ocorrência, requerer as Medidas Protetivas de Urgência (MPU) e/ou representar criminalmente. A vítima pode comparecer ao Nudem da Defensoria ou à DPE-TO em sua cidade para receber orientações jurídicas e requerer representação criminal, bem como ações necessárias, como guarda de alimentos, divórcio, reconhecimento de união estável e danos morais e materiais, dentre outros. O telefone do Nudem é (63) 3218-6771.
Principais formas de violência doméstica no Brasil
– Humilhar, xingar e diminuir a autoestima
– Controlar e oprimir
– Expor a vida íntima
– Atirar objetos, sacudir e apertar os braços
– Forçar atos sexuais desconfortáveis
– Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar
– Controlar o dinheiro ou reter documentos
– Quebrar objetos pessoais (Com informações das ascons do TJTO e da Defensoria Pública)