Muito se fala em saúde psicossocial, porém muitas pessoas não têm a mínima noção da profundidade e importância que contorna este tema. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)[1], no primeiro ano da pandemia de COVID-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%. Baseado nisso e preocupados com possíveis aumentos dessas doenças, grande parte dos países estão incluindo a saúde mental e apoio psicossocial em seus planos de governo.
O Atlas de Saúde Mental da OMS[2] mostrou que, em 2020, governos em todo o mundo gastaram em média pouco mais de 2% de seus orçamentos de saúde no setor de saúde mental e muitos países de baixa renda relataram ter menos de um profissional de saúde mental por cada 100 mil pessoas. No referido Atlas revelou um subinvestimento histórico nos serviços de saúde mental.
Preocupados principalmente com a violência escolar, no dia 16 de janeiro de 2024 foi sancionada a Lei nº 14.819/2024, que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. A estratégia tem como objetivo integrar e articular as áreas de educação, saúde e assistência social no desenvolvimento de ações de promoção, prevenção e atenção psicossocial no âmbito das escolas. A lei também é voltada para o bem-estar social de toda a comunidade escolar, incluindo alunos, professores e demais profissionais que atuam nas instituições de ensino, e pais e responsáveis.
A política surge como um suporte fundamental que pode melhorar as condições de trabalho e a vida dos profissionais da educação. Desde a pandemia da covid-19 e após ela, temos adoecido demais, sendo que esta nova política vem a calhar para cuidar da nossa saúde mental. Já se passou o tempo em que o professor, além de educador, também era psicólogo, assistente social, padre ou pastor, e até mesmo pai e mãe. Todo o peso da educação estava nos ombros dos professores! Agora esse peso estará dividido entre toda a sociedade. O objetivo da novel lei é trazer para dentro do ambiente escolar a comunidade.
A legislação determina oferta de serviços de atenção psicossocial nas escolas, compartilhamento de informações para sensibilizar a sociedade sobre a importância do tema, bem como outras ações de promoção da saúde mental. Entre os objetivos da Política estão a promoção da intersetorialidade entre os serviços educacionais, de saúde e de assistência social para a garantia da atenção psicossocial, a informação e sensibilização da sociedade sobre a importância de cuidados psicossociais na comunidade escolar e a promoção da formação continuada de gestores e de profissionais das áreas de educação, de saúde e de assistência social no tema da saúde mental.
Consta no artigo 2º da Lei 14.819/2024 que:
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares:
I – promover a saúde mental da comunidade escolar;
II – garantir aos integrantes da comunidade escolar o acesso à atenção psicossocial;
III – promover a intersetorialidade entre os serviços educacionais, de saúde e de assistência social para a garantia da atenção psicossocial;
IV – informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância de cuidados psicossociais na comunidade escolar;
V – promover a formação continuada de gestores e de profissionais das áreas de educação, de saúde e de assistência social no tema da saúde mental;
VI – promover atendimento, ações e palestras direcionadas à eliminação da violência; e
VII – divulgar informações cientificamente verificadas e esclarecer informações incorretas relativas à saúde mental.
Na justificativa do Projeto de Lei 3.383/2021, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) mencionou que “A infância e a adolescência são períodos de grandes transformações e vulnerabilidade para o desenvolvimento de agravos à saúde mental, o que requer atenção especial, com a criação de espaços de acolhimento e de uma rede de suporte voltados para o desenvolvimento da saúde mental dessa população.” Segundo o Parlamentar, “a escola é um espaço privilegiado para promover o acolhimento e o cuidado de crianças e adolescentes, pelo papel relevante que desempenha na formação de concepções e valores e na construção de relações interpessoais. Ademais, cabe às escolas prestar a devida atenção aos problemas psicossociais que afetam a comunidade escolar, haja vista o impacto que eles têm na vida das crianças e dos adolescentes e o consequente comprometimento do aprendizado e rendimento escolar.”
Atendendo os objetivos da Lei, principalmente no que se refere o seu artigo 2º, incisos IV, V e VI, nos dias 10 e 11 de abril de 2024, o município de Gurupi, por meio da Secretaria Municipal de Educação – SEMEG, promoveu uma Formação Continuada para os profissionais da educação da rede municipal com o tema “A Importância das Habilidades Socioemocionais”, ministrada pelo Programa “Emoções em Ação”, da Empresa Recriar Vida.
A formação continuada envolveu palestras, workshop, dinâmicas, oficinas, visitas às escolas do município de Gurupi, recursos pedagógicos, etc. A Equipe da Recriar Vidas mostrou que as habilidades socioemocionais são aptidões que tornam a convivência do indivíduo com os outros e consigo mesmo mais pacífica e saudável, como a habilidade de se comunicar bem, demonstrar compaixão, entender seus próprios sentimentos e regular o nível de estresse.
Não podemos focar apenas na inteligência cognitiva dos estudantes, preparando-os para o Enem, provas e vestibulares, mas também preparar o indivíduo em todas as suas dimensões, seja no aspecto intelectual, emocional, social, física e cultural. Só assim atingiremos os objetivos primordiais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Segundo Ricardo Ribeirinha, “não existe uma sociedade forte sem a pessoas estarem felizes”. Estudos e especialistas concordam que cultivar a felicidade e o bem-estar emocional é fundamental para promover uma vida saudável e plena. Isto porque a felicidade não é apenas um estado emocional passageiro, mas sim um elemento primordial que está substancialmente interligado à nossa saúde física e mental.
Negligenciamos nossa saúde, esquecendo que é cuidando da saúde mental que a gente cuida do resto do nosso corpo. É um ato de amor! Quem cuida da saúde mental ama a si mesmo, estando pronto para amar e cuidar de seus semelhantes.
Muito bom essa iniciativa ter iniciado no ambiente escolar, local onde deveria ser vivido o amor e não o ódio. Todos nós temos tristes lembranças do assassinato de uma professora de 71 anos por um adolescente em São Paulo no ano passado. A professora Beth, também conhecida como uma “baixinha inquieta”, trabalhou como técnica em química no Instituto Adolfo Lutz por 44 anos. Após isso, voltou para os bancos escolares e aos 60 anos se formou em biologia.
Beth estava trabalhando na Escola Estadual Thomazia Montoro por pouco tempo quando foi esfaqueada pelas costas por um aluno na sala de aula. Interessante que o aluno que a esfaqueou também estava na escola havia pouco tempo, desde o início de março.
Apesar de tudo, podemos dizer que foi uma tragédia anunciada! Antes do ataque, aconteceram episódios com o aluno que, agora, podem ser interpretados como sinais. Na escola anterior, o comportamento agressivo e as ameaças de atos violentos foram notados e preocuparam professores e pais. A direção registrou um boletim de ocorrência. Com poucos dias na nova escola, ele brigou com os novos colegas. Uma dessas brigas, foi Beth quem separou. A diretora chamou o adolescente para uma conversa, que estava agendada para a manhã da segunda-feira, o dia do ataque.
Isso mostra a importância da Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. Será que este adolescente passou por um serviço de saúde (psiquiatra/psicólogo) e assistente social para acompanhamento de sua saúde mental? A resposta é negativa!
Os fatores socioemocionais e biopsicossociais afetam diretamente crianças, jovens e adultos, especialmente quanto ao risco do consumo de substâncias psicoativas. Por isso é necessário o fortalecimento de competências socioemocionais. Além de dominar conteúdos e técnicas, o estudante deve também estar acompanhado de habilidades socioemocionais para se relacionar com os outros, com suas próprias emoções e com os desafios para atingir objetivos. Nossa saúde psicossocial se manifesta nos modos de pensar, sentir e nos comportamentos ou atitudes para se relacionar consigo mesmo e com os outros.
O governo do Tocantins também aderiu à essa política de atenção psicossocial. O comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar do Tocantins (CBMTO), coronel Peterson Queiroz de Ornelas; e o diretor do Instituto Recriar Vida, Ricardo Ribeirinha, assinaram o termo de parceria para levar o Projeto de Fortalecimento Socioemocional aos militares da corporação e seus familiares, bem como a comunidade escolar formada pelos Colégios Esportivos Militares, administrados pelo CBMTO; e as crianças atendidas pelo Projeto Bombeiro Mirim.
Externo o nosso apreço pelos excelentes serviços prestados pela valorosa Empresa Recriar Vidas. O programa “Emoções em Ação” nasceu no Estado do Tocantins e encontra-se em expansão para diversos outros estados, dentre eles Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal, Goiás e Pará, tendo como objetivo na capacitação sobre os aspectos de vulnerabilidade social e os fatores biopsicossociais que afetam negativamente crianças, jovens e profissionais da rede pública de ensino.
Para demonstrar a excelência da Recriar Vidas, tal empresa é parceira do Ministério da Cidadania e que conta com o selo de execução dos serviços dentro dos parâmetros da Organização das Nações Unidades – ONU por meio da United Nations Office on Drugs and Crimes, UNODC.
Em algum momento de sua vida você já teve dificuldade em controlar suas próprias emoções? Se a sua resposta for sim, é importante você investir na sua saúde psicossocial. Assim agindo você estará evitando situações de insegurança emocional, bem como irá aprender a lidar com situações inesperadas. Você se tornará forte para enfrentar inúmeros e diferentes problemas, bem como será capaz de transpor desafios antes não imaginados.
Eis a importância da Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. Queira Deus que esta lei tão importante não fique esquecida pelos nossos governantes. Que ela não seja mais uma lei de política pública a dormir esplendidamente na gaveta da administração pública.
LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA
É promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins. Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Aluno do Curso Intensivo para o Programa de Doutorado em Direito Constitucional na Universidade de Buenos Aires, Argentina (UBA). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. É pós graduado com título de Especialista em Direito de Família. Sub coordenador do Observatório e Clínica de Direitos Humanos do Estado do Tocantins. Professor da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS. Exerceu o cargo de Advogado da União (AGU) na Procuradoria da União em Minas Gerais. Membro do Grupo de Trabalho Racismo e Igualdade Racial da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC/PGR.
Instagram: @luiz_fcoto
[1] Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/2-3-2022-pandemia-covid-19-desencadeia-aumento-25-na-prevalencia-ansiedade-e-depressao-em#:~:text=Pandemia%20de%20COVID%2D19%20desencadeia,Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Pan%2DAmericana%20da%20Sa%C3%BAde/. Acesso em: 14 abr 2024.
[2] Idem.