Para entender melhor o tema, vamos dividir a resposta em dois grupos: perguntas sobre dados pessoais e perguntas sobre fatos.
Perguntas sobre dados pessoais
[bs-quote quote=”O princípio da \’não autoincriminação\’ somente pode ser utilizado para omitir ou mentir fatos, nunca para omitir ou mentir identidade” style=”default” align=”right” author_name=”FELLIPE CRIVELARO AYRES PEREIRA” author_job=”É delegado da Polícia Civil do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/10/FellipeCrivelaroAyresPereira60.jpg”][/bs-quote]
Se um policial, justificadamente, questionar algum dado pessoal a qualquer indivíduo – RG, nome, idade, endereço, número de CPF, etc. – e houver a recusa em fornecer, o policial poderá dar voz de prisão pela contravenção penal positivada no art. 68, caput, da LCP (Decreto Lei nº 3.688/41), sancionada com pena de multa.
E se, ao invés de se recusar fornecer, o indivíduo mentir? Neste caso, devemos analisar o dolo, isto é, a finalidade criminosa daquela mentira.
- Se o questionado inventar um dado qualquer, sem finalidade específica, incorrerá na contravenção penal descrita no parágrafo único do mesmo art. 68 da LCP, sancionada esta, com pena de prisão simples de 1 a 6 meses, além da multa.
- Se com a mentira o questionado visar obter alguma vantagem, este irá praticar, agora, um crime previsto no art. 307 do Código Penal, apenado com reclusão de 2 a 6 anos. Exemplo: abordado na rua em atividade suspeita, os policiais questionam ao suspeito o seu nome, e este responde ser João de Tal – porém, em busca pessoal, os policiais encontram um documento de identificação que consta o nome Pedro de Tal – ao verificar o sistema policial, descobrem que em desfavor de Pedro de Tal existe um mandado de prisão. Nesse caso, além de dar cumprimento ao mandado, Pedro de Tal deverá receber voz de prisão pelo crime do art. 307 do Código Penal, pois atribuiu-se falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio.
- Se, ao invés de objetivar obter vantagem, o indivíduo mentir um dado pessoal para causar dano a outrem? O art. 307 do Código Penal também tipifica esta conduta. Exemplo: indivíduo é conduzido até a unidade de plantão da Polícia Judiciária estando em flagrante de receptação de um veículo – ao ser exigido qualquer documento de identificação, o mesmo responde que não possui, e então, é submetido ao procedimento de identificação criminal e, neste, declara o nome de seu irmão. Nesse caso, sendo descoberta a mentira, o indivíduo deverá ser recolhido ao cárcere pelo crime do mesmo Art. 307 do Código Penal, pois atribuiu-se falsa identidade para causar dano a outrem, que, no caso, seria seu irmão.
É preciso esclarecer que nas infrações penais citadas acima não temos a figura da apresentação de documento de identificação. Assim, caso o indivíduo apresente documento de identificação falso ou de outra pessoa, incorrerá nos crimes previstos nos Artigos 304 ou 308 do Código Penal, com penas de reclusão de 2 a 6 anos e detenção de 4 meses a 2 anos, respectivamente.
Por fim, é necessário mencionar que os Tribunais Superiores possuem jurisprudência pacífica, o que significa que a alegação de autodefesa, no caso de dados pessoais, não tem o poder de afastar a infração penal, pois o princípio da “não autoincriminação” somente pode ser utilizado para omitir ou mentir fatos, nunca para omitir ou mentir identidade. O STJ, inclusive, já sumulou o assunto (Súmula 522) no que concerne o crime de falsa identidade (CP, art. 307). Em outras palavras, não é válida a tese de defesa que busca afastar as infrações penais, mencionada anteriormente, alegando que o indivíduo não teve direito ao silêncio ou a não autoincriminação. Com isso, é obrigatório dizer sempre a verdade sobre seus dados pessoais, quando, justificadamente, questionado pela polícia.
Perguntas sobre fatos
E quando a finalidade da pergunta for a de esclarecer algum fato? Será crime mentir ou omitir para a Polícia? Depende de quem está sendo questionado.
- Se o questionado estiver na condição de preso ou investigado, terá o direito ao silêncio e o direito de, inclusive, mentir, pois não existe o crime de perjúrio em nosso ordenamento jurídico. Em resumo, mentir para a Polícia não será crime. Nesse sentido: STF, HC 68.929 e HC 73.035.
- Se o questionado estiver na condição de testemunha (ou informante), em regra, estará sujeito ao crime de falso testemunho tipificado no art. 342 do Código Penal, onde a pena é de 1 a 3 anos de reclusão, salvo quando deixar de revelar fato que possa incriminá-lo, caso em que passará a gozar da garantia do silêncio e da não autoincriminação (STJ, HC 69.358).
- Se o questionado estiver na condição de vítima, suas declarações inverídicas serão enquadradas nos crimes de denunciação caluniosa (CP, art. 339 – pena: reclusão, de 2 a 8 anos) ou comunicação falsa de infração penal (CP, art. 340 – pena: detenção, de 1 a 6 meses).
Em todo caso, se o investigado, testemunha/informante ou vítima acusarem-se de crime inexistente, o de que não cometeu, estarão sujeitos às penas do art. 341 do Código Penal (detenção, de 3 meses a 2 anos).
FELLIPE CRIVELARO AYRES PEREIRA
É delegado da Polícia Civil do Tocantins, titular da Delegacia de Repressão a Roubos (DRR) de Araguaína, e Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal
comunicacao@sindepol-to.com.br