No Código Penal, o artigo 91, inciso II, estabelece: “São efeitos da condenação II- a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: […] b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”.
Portanto, refere-se à União como destinatária do perdimento de valores, ou seja, valores recuperados e multas pagas provenientes da prática criminosa. Isto porque não existe, nestes casos, lei sobre a destinação das verbas, o que há são decisões judiciais em casos específicos, por exemplo, na PET 6890.
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Na Lei n.º 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre investigação criminal, o artigo 4.º estabelece a possibilidade do juiz conceder perdão judicial, redução de pena ou substituição, no caso da colaboração efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal, que, dentre outros fatores, possam promover “a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa”.
O dispositivo disciplina uma das consequências necessárias do acordo de delação, qual seja, a recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, não contemplando qualquer previsão expressa sobre poderes para definir destinação específica desses ativos. Aplica-se, consequentemente, o artigo 91, II, “b”, do Código Penal, citado acima.
No caso do art. 7.º da Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, considera-se como efeito da condenação o perdimento destes para a União e Estados, estes últimos nos casos de competência da Justiça Estadual, inclusive provenientes de restituições, multas ou outras sanções análogas. Sendo assim, a perda recai em favor de entes federados específicos.
Infere-se, portanto, que a interpretação das leis especiais em consonância com o Código Penal deve levar em consideração a moralidade pública e a legalidade. Não se podendo olvidar que nesses crimes, notadamente de corrupção, as vítimas são a União, Estados, Municípios e toda a sociedade.
Deve-se observar e respeitar a repartição de competências conferidas aos Poderes da União na Constituição Federal, enfatizando que os recursos oriundos da recuperação de valores frutos de crime e multas pagas por razões penais devem ser aplicados a partir da deliberação das entidades constitucionalmente competentes para lidar com orçamento público.
Nos crimes em que não há uma entidade supostamente prejudicada diretamente pelos ilícitos perpetrados, cabe a destinação à União de acordo com orientações baseadas em decisões do Supremo Tribunal Federal. E ainda não existe previsão legal para alocação dos recursos que forem para União a órgão específico. Cabe, diante disso, à União definir como utilizará a receita, mediante regras de classificação orçamentária.
Diante disso, vale ressaltar que, caso se verifique que os recursos devam destinar-se aos Estados da Federação, as transferências de recursos são executadas pela União através de instrumentos celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas (administração estadual, distrital, municipal) ou privadas sem fins lucrativos para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.
Entretanto, em se tratando de recursos provenientes de ilícitos praticados por agentes públicos e terceiros, uma maior desburocratização permitiria outros tipos de transferências de recursos da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios, não disciplinados pelo Decreto n.º 6.170/2007 e pela Portaria Interministerial n.º 424/2016, como, por exemplo, as transferências automáticas ou fundo a fundo.
Nos moldes do que foi efetuado no Ministério da Justiça quando da criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, tem-se que parte dos recursos provenientes das loterias serão destinados aos Estados da federação através de transferência fundo a fundo, com critérios definidos e obrigações a serem cumpridas pelos estados, como, por exemplo, leis estaduais que criam fundos e conselhos específicos, além de outras formalidades. De forma semelhante, poder-se-ia vislumbrar a regulamentação da transferência dos valores oriundos de ilícitos praticados por agentes públicos e terceiros também para área de segurança, aliada à educação, saúde e meio ambiente, neste último caso, notadamente os Estados integrantes da Amazônia Legal, como o Tocantins, também poderiam ser beneficiados na área de preservação e recuperação ambiental.
De todo modo, no caso da corrupção, considerada uma doença social em que se desvia o dinheiro público e causa prejuízo extremo a toda sociedade, nada mais razoável do que recuperar a capacidade desfalcada dos governos, transferindo os recursos recuperados para equilibrar serviços essenciais como segurança, saúde e educação. Mas, para isso, deve haver uma atuação intensa dos órgãos de fiscalização e o benefício àqueles Estados que estimulem o combate à corrupção e sejam exemplo de honestidade nas gestões.
MILLENA COELHO JORGE ALBERNAZ
É delegada de Polícia Civil do Tocantins, graduada em Direito pela PUC-Pontifícia Universidade Católica de Goiás, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Unitins e mestranda pela Universidade Autônoma de Lisboa.
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