Vamos aqui tratar especificamente daquelas situações em que alguém é preso em flagrante delito, em seguida, é conduzido à Delegacia de Polícia, e passa então o delegado de polícia, na qualidade de Estado-Investigação, a deliberar sobre a validade da prisão, podendo conceder fiança e colocar o conduzido em liberdade provisória, deixar de ratificar a prisão, ou, mandar recolhê-lo à prisão, em nítido exercício do dever-poder constitucional de proteção e tutela dos direitos e garantias fundamentais, atuando, por isso mesmo, como verdadeiro filtro na porta de entrada do sistema de persecução penal.
A Constituição da República determina que, exceto os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (aqueles crimes que só estão previstos no Código Penal Militar), as pessoas só podem ser presas em duas situações (art. 5º, inc. LXI): (i) Em caso de flagrante delito; ou (ii) Em caso de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Consta do texto constitucional ainda que, “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (art. 5º, inc. LXVI).
A liberdade provisória com fiança pode ser deferida: (i) Pelo Delegado de Polícia, conforme artigo 304, § 1º, e art. 322, ambos do Código de Processo Penal – CPP; e (ii) pela autoridade judiciária, nos moldes do artigo 310, inciso III, do CPP.
Há doutrinadores que defendem que o Delegado de Polícia pode conceder liberdade provisória sem fiança, já que o juiz não é o único intérprete autorizado do direito (HÄRBELE, 1997), e ainda pelo raciocínio de que um cidadão pobre não poderia ficar preso por mais tempo do que ocorreria em se tratando de um cidadão rico.
[bs-quote quote=”Não se olvide que, para a configuração do crime de abuso de autoridade, é indispensável o elementos subjetivo (dolo) consistente na vontade livre e consciente de lesão das garantias fundamentais” style=”default” align=”right” author_name=”BRUNO MONTEIRO BAEZA” author_job=”É delegado da Polícia Civil” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/06/BrunoMonteiro60.jpg”][/bs-quote]
E quando que o delegado de polícia pode conceder fiança em se tratando de prisão em flagrante?
O delegado de polícia pode conceder fiança quando a pena máxima do crime em tese praticado não seja superior a quatro anos (art. 322, do CPP).
E qual o valor que deve ser pago a título de fiança, para que o delegado de polícia possa conceder a Liberdade Provisória?
O valor da fiança pode variar entre um a 100 salários mínimos nos casos em que a pena máxima não seja superior a quatro anos, conforme art. 325, I, do CPP. O art. 325, § 1º, incisos II e III, do CPP, estabelece que se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: (i) reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou; (ii) aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
Desse modo, considerando que o salário mínimo vigente é de R$ 954,00, caso o indivíduo preso em flagrante não tenha condições financeiras de pagar a cautela, e as demais condições recomendarem a redução do valor, o valor mínimo que pode ser arbitrado pela autoridade policial é de R$ 318,00.
O delegado de polícia pode negar a fiança se entender pela necessidade de prisão preventiva?
Como é cediço, há uma incompatibilidade essencial entre a liberdade provisória com fiança e a presença dos requisitos da prisão preventiva, o que levou legislador a incluir no artigo 324, IV, do CPP, mais uma hipótese de inafiançabilidade.
Nota-se que não há referência no art. 324, IV, do CPP, sobre qual a autoridade – se o juiz ou o delegado, ou se ambos -, que pode negar a fiança na hipótese de estarem presentes os requisitos para a prisão preventiva.
Pensamos que o silêncio aqui foi eloqüente. Se o legislador não restringiu de forma expressa que apenas ao juiz cabe negar a fiança, se for necessária a prisão preventiva, é porque permitiu, com todas as vozes, à autoridade policial aplicar tal hipótese de inafiançabilidade relativa. Esta situação é classificada pela doutrina como prisão preventiva convertiva.
Analisando-se as hipóteses de incidência da prisão preventiva elencadas no art. 313, incisos II a IV e parágrafo único, do CPP, conclui-se pela sua admissibilidade para crimes cuja pena seja inferior a 4 anos.
Bruno Zanotti e Cleopas Santos aduzem que “sendo o crime punido com pena máxima em abstrato de até quatro anos, o delegado de polícia, após a lavratura do respectivo auto de prisão em flagrante, arbitrará a fiança ao autuado, desde que, por óbvio, não estejam presentes os motivos que justifiquem a prisão preventiva (art. 324, inc. IV, do CPP)”.
Se a autoridade policial negar a fiança, e representar pela prisão preventiva, está praticando crime de abuso de autoridade?
O art. 4º, alínea “e”, da Lei n.º 4898/65 tipifica: “Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: (…) e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei”.
A expressão “permitida em lei” deve ser analisada sistematicamente. Se for necessária a decretação da prisão preventiva é por que a fiança não tem cabimento, ou não seria “permitida pela lei”.
Não se olvide que, para a configuração do crime de abuso de autoridade, é indispensável o elementos subjetivo (dolo) consistente na vontade livre e consciente de lesão das garantias fundamentais.
Esse não parece ser o caso. Ao negar a fiança, em decisão devidamente fundamentada, por estarem presentes, na ótica da autoridade policial, a presença dos requisitos para a prisão preventiva, onde é que está o dolo? O entendimento da autoridade policial deve ser visto como uma manifestação jurídica nos autos, e não como uma conduta criminosa.
As manifestações jurídicas são guerreadas juridicamente, mediante recursos, pedidos de reconsideração etc.
Exatamente por esta razão, o artigo 335 do CPP deixou muito bem claro que, “recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas”.
BRUNO MONTEIRO BAEZA
É delegado da Polícia Civil, ex-servidor do Ministério Público Federal e professor de cursos preparatórios para concursos públicos
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